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Rumo à obesidade

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Peter Fendi

Em algumas regiões dos EUA é quase impossível achar uma refeição com frutas ou vegetais. A alimentação consiste em produtos industrializados. No Brasil, cada vez mais gente prefere comida pronta, mesmo com acesso a alimentos frescos

Nos EUA, o termo food deserts (desertos alimentares) é utilizado para descrever regiões ou até mesmo cidades inteiras onde não existe acesso a comida fresca. Nesses lugares é praticamente impossível encontrar uma refeição com vegetais, frutas ou mesmo produtos de origem animal que não tenham sido preparados industrialmente. As pessoas ali costumam perder a capacidade de preparar uma refeição. Muita gente não sabe cozinhar nem quer aprender.

Tudo porque a alimentação nesses lugares passou a consistir basicamente de produtos industrializados: refrigerantes, bolachas, biscoitos, salgadinhos ensacados, chocolates, congelados industrializados, carne processada e assim por diante. O impacto disso para a saúde é trágico. São alimentos que consistem basicamente em bombas de sal, açúcar, gordura, conservantes e produtos químicos como glutamato. O impacto é também espiritual. A pessoa vai progressivamente ficando parecida com o que come.

Os desertos alimentares acontecem principalmente nas regiões mais pobres dos EUA. Afetam cidades que passaram por processos agudos de pauperização, como Detroit. Quanto mais pobre é a pessoa (ou a região em que ela vive) e menor o nível educacional, maior a propensão a comer só produtos industrializados.

DESENVOLVIMENTO?

Enquanto isso, no Brasil a trajetória é ligeiramente diferente. Nos últimos dez anos houve a ascendência de milhões de pessoas para um padrão mais elevado de consumo. E, com isso, uma expansão enorme no consumo de comida industrializada. Parte desse consumo é de pessoas que não tinham qualquer segurança alimentar e, na prática, não têm outra opção. No entanto, outra parte é de gente que tem a opção de comer melhor, mas está trocando saúde por conveniência. Produtos industrializados são instantâneos e duram meses. Já produtos frescos precisam de logística e preparo.

Um sintoma desse novo consumidor de comida industrializada é a proliferação pelas cidades brasileiras de lojas especializadas, que vendem apenas biscoitos, chocolates e outras variações de açúcar e farinha branca, e nada mais. Com isso, está surgindo no país um número significativo de pessoas que voluntariamente se exilaram em um deserto alimentar.

Isso é triste especialmente porque existe relativa facilidade no Brasil de ter acesso a produtos frescos, mesmo em áreas carentes. Além disso, o impacto para a saúde pública é inevitável, com aumento de casos de hipertensão, diabetes e obesidade.

Essa é uma discussão que faz parte do debate sobre o modelo de desenvolvimento do país. Ascender economicamente sem desenvolver todas as dimensões da vida (que tem como boa medida um padrão alimentar humanizado, inserido em um contexto cultural e social) é fazer tábula rasa do potencial do país. Gosto de repetir a afirmação do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro quando pergunta: “Desenvolvimento para quê? Para a obesidade?”. A frase, que tem um sentido metafórico importante, no Brasil está ganhando cada vez mais um sentido literal.

*Ronaldo Lemos, 36, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

Autopromoção

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Divulgação

Valentina Caran, garota-propaganda da própria marca

Valentina Caran, garota-propaganda da própria marca

Valentina Caran, 59 anos Nascida em Monte Mor (SP)

Por que você aparece nas propagandas da sua empresa? Começou quando surgiu um corretor de imóveis com nome parecido com o meu e que usava a mesma tipologia nas placas de vendas. Aí decidi agregar a minha imagem às minhas placas. Não tenha dúvida: é preciso muita coragem para estampar a própria foto em faixas de 20 metros em plena avenida Paulista. Foi quando adotei o slogan: “Vendo, alugo e apareço”.

Na sua infância você sonhava em ter seu rosto reconhecido? Minha família era bastante humilde. Eu e meus irmãos começamos a trabalhar cedo na roça, como colhedores de tomates. Meus sonhos de infância eram iguais aos de muitas “caipirinhas”: vir para São Paulo, ganhar dinheiro, construir uma família e trabalhar na televisão. Até tentei a carreira de atriz, mas, na primeira figuração, achei cansativo e sem graça. Ter o rosto estampado em placas é mais divertido.

Qual é o segredo do bom vendedor? Acreditar no produto, ter transparência, seriedade, garra e motivação.

Divulgação

Sidney Oliveira, garoto-propaganda da própria marca

Sidney Oliveira, garoto-propaganda da própria marca

Sidney Oliveira, 59 anos Nascido em Umuarama (PR)

Por que você usa o seu rosto nos comerciais da Ultrafarma? Criei a empresa quando estavam surgindo os medicamentos genéricos. Queria abrir uma farmácia para vendê-los. Pensei em uma forma de transmitir credibilidade aos genéricos, pois na época as pessoas tinham receio por serem remédios muito baratos. Então me inspirei em uma empresa estrangeira que utilizava o rosto do dono em seu logo. Achei que seria uma forma de passar confiança.

Na sua infância você sonhava em ter seu rosto conhecido? Cresci no interior do Paraná. Meu primeiro emprego foi quando eu tinha 9 anos de idade, em uma pequena farmácia do município de Umuarama, onde eu lustrava vitrines, atendia à população e me apaixonei pelo ramo farmacêutico. Mas, quanto ao meu rosto, eu não tinha essa pretensão [risos].

Qual é o segredo do bom vendedor? Mesmo com uma rotina corrida, faço questão de percorrer as farmácias e conversar pessoalmente com os meus clientes. Isso é fundamental, pois um negócio só faz sucesso se eles estiverem satisfeitos.

Reynaldo Gianecchini

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Christian Gaul

Reynaldo Gianecchini

Reynaldo Gianecchini

Numa tarde fria de sábado, num dos dias de garoa que marcaram a chegada da primavera a São Paulo, Reynaldo Gianecchini analisa as fotos que o fotógrafo acabou de fazer dele para esta entrevista. Ele veste T-shirt, jeans e tênis – conjunto que diz ser uma espécie de uniforme, pautado pelo desejo de conforto: “Só mudam as cores, às vezes pego uma camiseta com uma imagem mais chamativa, um acessório mais colorido”.

Eu não o via pessoalmente há muitos anos. A última vez fora muito antes de sua descida ao inferno, levado por um câncer fortíssimo, um linfoma que ele enfrentou diante dos olhos do mundo. Despertou tanta compaixão no país que, mal saiu da recuperação, levantou-se direto para a posição da imagem publicitária mais poderosa do Brasil, numa apertada disputa com Luciano Huck.

Logo ao chegar, chama a atenção o cabelo grisalho. Ele conta que os fios brancos vieram com mais força após a quimioterapia. Mas ele já os tinha, apesar de escondê-los, desde os 25 anos. “Puxei do meu pai, que tinha uma grande mecha branca, linda”, conta. Parou de tingir no início deste ano, a pedido da atriz Giovana Antonelli, que preferia vê-lo assim no papel de seu par romântico no longa-metragem SOS – Mulheres ao mar, ainda sem previsão de lançamento.

As filmagens do longa acabaram em julho, e Reynaldo achou que a “grisalhice” também deveria fazer parte da construção do personagem Paulo, protagonista de A toca do coelho, peça em cartaz em São Paulo até o final deste ano, na qual ele contracena com Maria Fernanda Cândido. O texto do norte-americano David Lindsay-Abaire, vencedor de um Pulitzer, conta a história de um casal que tenta superar uma perda terrível, cada um de um lado, cada um a seu modo. “Paulo é um homem que traz as marcas do tempo”, conta o ator, que diz se divertir com o envelhecimento, ao contrário do resto do mundo.

 

"Essa parte [do câncer] de ficar sem cabelo foi muito fácil"

 

A nova cor de cabelo harmoniza com um momento interior mais maduro, que se manifesta, por exemplo, no sexo. “Com a idade, ele fica muito mais interessante. É quando você se conhece, quando já deixou de lado toda a ansiedade própria dos 20 e tantos anos, que te impede de curtir o presente, o aqui, o agora”, diz. No amor, porém, desde que separou de Marília Gabriela, vive uma longa fase de relações fortuitas. É o que sua agenda frenética permite, já que trabalha de domingo a domingo há mais de um ano. Previsão de férias? Setembro do ano que vem, com sorte.

Apesar de muito trabalho, diz que está zen. Depois de épocas mais “jacas”, busca trilhar o caminho do meio. Nos próximos dias começa a gravação de uma nova novela global. Somando aos comerciais que faz, Gianecchini estará mais nas televisões brasileiras do que o plim-plim da Rede Globo. Pergunto se ele pensa em parar: “O limite é o momento em que eu me cansar. Já aconteceu, quando parei por um ano e fui estudar em Los Angeles. Se acontecer de novo, paro e tiro um sabático”.

Enquanto esse dia não chega, ele segue a rotina, buscando controlar bem sua imagem. É por isso que faz questão de visualizar no computador as fotos feitas por Christian Gaul. No lusco-fusco do estúdio, ele parece um narciso admirando a própria beleza. Mas, diferentemente do herói da mitologia greco-romana, ele se dá por satisfeito. “Do caralho, gente. Adorei.”  

Me surpreendi com o seu cabelo grisalho quando cheguei. É uma coisa genética. Meu pai também tinha, desde novo. Comecei a fazer publicidade, depois novela e sempre fazia muito garotão, né? Nunca fiz papel de pai. Estreei na televisão com 28 anos, mas parecia que eu tinha 20. Demorei muito tempo para assumir esse cabelo branco. Deixei agora pra um personagem. Na capa do meu livro, ele já estava meio branco. Eu tinha acabado de sair do meu tratamento e a gente queria uma imagem crua minha, que não fosse de vaidade. O livro é isto, um close meu, com a cara que eu acordei e com aquele cabelo sem pintar. Todo mundo adorou. E eu tô adorando agora também. Fora que eu estou impressionado com a manifestação das mulheres, não tinha noção que elas gostavam tanto. Dou três passos na rua e sempre vem uma falar: “Deixa assim, pelo amor de Deus! Está a coisa mais linda”. Acho que passa uma coisa de segurança pra mulher, né?

Como foi se ver sem pelos e sem cabelo durante o tratamento contra o câncer? Resolvi encarar muito de frente a doença, com tudo o que ela tinha. Quis olhar e falar: “OK, sei exatamente o que eu tenho, vou lidar com isso e não vou tentar maquiar”. Encarei o desafio de deixar as preocupações do dia a dia de lado e focar numa outra coisa. Ou seja, a vaidade não era importante. De repente, eu não tinha que fazer mais nada. Só cuidar de mim. E foi muito legal. Na verdade, essa parte de ficar sem cabelo foi muito fácil. Foi legal até. Lembro que me olhei no espelho e falei: “Caramba! Ficou condizente com a minha condição, pareço um guerreiro mesmo”.

Você raspou antes de eles caírem então? Não queria esperar tudo cair. Acho meio deprimente. Eu tenho uma coisa que, com esse processo, ficou muito evidente para mim: encaro a vida como ela é. Descobri há um tempo que se a gente faz planos às vezes se frustra. Então foi isso: “Vamos viver o que tem para viver, minha realidade é essa”. Foi muito natural, eu comecei a gostar até. Também acho bacana essa coisa de brincar com as mil caras que a gente tem. Por isso que eu acho a idade muito legal. Tudo vai mudando. E não é questão de rugas, não. É questão de maturidade.

Os papéis de garotão estão passando? É natural, né? Óbvio que eu não posso mais fazer um adolescente. No teatro até dá. Ele é mais metafórico. Mas tem uns papéis muito bonitos nessa idade dos 40 aos 50 anos. É uma idade muito bonita para o homem. Ele ainda mostra um vigor, ainda é jovem, mas já tem uma maturidade. Tem um conforto de estar na própria pele.

Você se sente numa fase de maior vigor, maior desejo sexual, aos 40? Não sei te dizer se maior. Mas com mais qualidade com certeza. O sexo com a idade é muito mais interessante. É quando você se conhece, quando já deixou de lado toda a ansiedade própria dos 20 e tantos anos, que te impede de curtir o presente, o aqui, o agora. Sexo é muito isso, você estar presente ali. Tirar da cabeça todos os pensamentos, as ansiedades. Viver aquilo respeitando o que o seu corpo quer. Há uma diferença gritante entre transar com a menininha de 20 anos e transar com a mulher de 40.

 

"Há uma diferença gritante entre transar com a menininha de 20 anos e transar com a mulher de 40"

 

A qualidade (do sexo com as mais velhas) é melhor? Muito melhor! Principalmente quando a mulher se conhece, o que é difícil pra elas, acho. Pro homem é mais fácil. A própria estrutura da gente, a mecânica toda. A gente se excita mais fácil, goza mais fácil.

Você é hoje uma das figuras mais presentes na televisão. Acha que há um limite para tanta exposição? Eu quero sempre passar uma coisa legal para as pessoas. Não gosto de estar associado com coisas que não me interessam. Fazer publicidade é uma fonte muito legal de grana, mas eu poderia estar fazendo muito mais do que estou. Não quero ganhar todo o dinheiro do mundo. Eu gosto e faço questão de estar associado a empresas que eu considero importantes, que têm uma proposta legal. E eu também tenho preocupação com essa superexposição que a gente tem. Não gosto, por exemplo, de ficar emendando um trabalho no outro na televisão. Sempre procuro intercalar televisão com teatro, com cinema, pra dar um tempo. Acho que vai chegar uma hora que eu vou querer dar um tempão enorme, tirar um ano sabático.

Isso seria quando? Você visualiza esse momento já? Visualizo. Não está tão longe. Quando voltei do meu tratamento, estava com muita vontade de trabalhar, comecei a receber muitas propostas que me interessaram e fui aceitando. Estou trabalhando direto, de domingo a domingo, há um ano. Férias, só em setembro do ano que vem. Tem sido muito legal, mas eu tenho muito evidente isto: vou precisar parar uma hora, fazer nada.

Você diz que escolhe bem as campanhas que faz. Mas e a que você fez para o Pintos Shopping, que acabou virando piada nacional na época? Por incrível que pareça, nunca imaginei que aquilo pudesse dar uma piada. Era uma publicidade para um empreendimento de um império familiar do Piauí, uma rede de shoppings. Fui pesquisar, vi que era uma coisa muito séria, um empreendimento familiar com anos de credibilidade. E eu nunca associei pintos com pênis. Até mesmo porque em Birigui cresci indo na Casa Pintão. Casa Pintão era uma casa em que eu comprava material de escola, essas coisas. Nunca associei com uma piroca enorme. Mas, quando começou a piada, fui o primeiro a rir. Porque realmente o slogan dava uma coisa de duplo sentido que jamais eles pensaram. Mas eu acho que tem uma hora que passou um pouco do ponto, foi pra um outro nível de achincalhação. As pessoas começam a querer exercitar toda sua raiva, sua inveja.

Como você se defendeu? A melhor forma de reagir é fazer como sempre faço: não dar margem para a coisa se propagar. Ou seja, não gosto de ficar falando, me justificando. Sou muito alvo de fofocas, de histórias que não vivi. Fico quietinho vendo aquilo andar sozinho. Seria horrível eu ter que ficar rebatendo tudo que falam a meu respeito. A melhor forma de me defender é não falar nada. Porque quando é uma mentira, uma coisa inconsistente, sai assim [estala os dedos].

Evidentemente entra muito dinheiro das publicidades que você faz. Você cuida de tudo sozinho? Alguém faz isso pra mim, mas eu cuido. Gosto de ter o controle de tudo que faço, não gosto de ficar alienado. Tenho agora uma instituição, que estou fazendo no interior, que talvez seja o projeto mais bonito da minha vida. A única coisa que me faz hoje em dia sonhar a longo prazo é essa instituição, que é para cuidar de crianças, adolescentes e idosos no interior. Então essa questão do dinheiro, da publicidade, de estar associado a empresas, tem muito o foco nisso, sabe? Quero me doar.

Como se chama a instituição? É o nome do meu pai: Centro de Apoio Professor Reynaldo Gianecchini, em Birigui, interior de São Paulo. Está super na fase inicial, mas já foi aprovada por lei, já estou captando pra poder construir.

Tem a ver com o câncer? Não. Tem a ver com educação, com cultura, com apoio psicológico. Suprir as carências das pessoas no interior de informação, de cuidados, de carinho. Tem a ver com isso.

Christian Gaul

Reynaldo Gianecchini

Reynaldo Gianecchini

É verdade que você já deu um fora na Carla Bruni? Não é que eu não quis. Na verdade, não desenvolvi. Se fosse hoje, que eu sou muito mais esperto, teria jogado com aquilo [risos]. Mas é que naquela época eu morava no exterior e era uma fase da minha vida que eu estava muito zen. Só meditava, não saía de casa, não ia a festas. Achava todo aquele ambiente que eu trabalhava chato demais. Trabalhava e voltava pra casa. Queria ler meu livro. Era uma fase muito radical da minha vida, e eu tive várias fases radicais. Essa foi para um polo. Depois teve outra pro outro polo, da bagunça total. Tudo isso para descobrir o equilíbrio. Se ela tivesse aparecido um pouco depois, talvez eu tivesse desenvolvido. Ela realmente é uma das mulheres mais lindas que já vi.

Então se a Carla Bruni de repente aparecesse aqui você reagiria diferente? Ah, com certeza. E essa é a beleza da vida! Ela te dá oportunidades de rever as coisas. Dá umas voltas muito loucas.

Quando termina o trabalho você sai pra se divertir, se expõe ao mundo real das ruas? Eu gosto muito de gente, mas deixo claro que o meu espaço existe e precisa ser preservado. A minha intimidade eu abro pra quem eu quero. Jamais poderia ficar num castelo, ser Michael Jackson, sabe? Não ia ser feliz. Moro no Rio e em São Paulo, que são duas cidades que me permitem ir ao supermercado. Eu gosto do assédio, tenho o maior prazer em falar com as pessoas, principalmente depois do meu tratamento. Mas eu não gosto quando vira invasivo, da pessoa querer te tocar, te puxar, querer um espaço que você não pode dar.

E isso não acontece no Rio e em São Paulo? Acontece às vezes, mas fora do eixo Rio-São Paulo acontece mais. Sempre procuro me posicionar de uma forma muito educada. Teve um episódio agora que a imprensa deturpou muito. Estava no Rock in Rio e tirei muitas, muitas fotos mesmo. Embora aquele fosse um tempo pra eu me divertir, eu fico meio constrangido de falar não. Mas teve um momento que ficou insuportável. Mesmo se eu ficasse a madrugada inteira tirando fotos, não ia atender todo mundo. Teve uma hora que eu tive que falar: “Moça, desculpa, não vai dar pra fazer a foto com você porque é muita gente”. Saiu na imprensa que eu não quis fazer foto. Não falaram das outras 500 que eu fiz.

Você malha todos os dias? Umas quatro vezes por semana.

Qual é o seu exercício? Pela praticidade, acabou virando entrar numa academia, porque é o único lugar que você não precisa se programar muito. Mas eu sempre fui do esporte, gostava de jogar basquete, vôlei. O único esporte que eu faço hoje é natação, tirando a malhação.

Pessoalmente você é bem forte, malhado. É, mas eu não sou radical, não. Não sou super-rato de academia, que precisa estar sempre trincado, com o abdômen definidíssimo. É muito mais uma questão de tônus, sinto necessidade de sentir que meu corpo está pronto para o trabalho, sabe? É muito mais do que uma questão estética, embora eu odeie quando estou me sentindo gordinho, quando meu abdômen, que é nosso centro de força, está frouxo. Odeio!

O ciclista Lance Armstrong conta que chegou um momento no tratamento do câncer em que ele falou: “Se tiver mais uma quimio, eu não faço”, porque ele tinha muita indisposição. Como foi com você? Olha, meu tratamento foi muito intenso, muito agressivo, porque minha doença foi muito agressiva e muito intensa. Tem alguns cânceres que não são tão agressivos, por isso demoram anos para serem tratados. O meu era tudo ou nada. Chegou com tudo e tinha que ir embora com tudo. Tomei um veneno brabo, foi barra- pesada! Mas eu me dei... Acho que é uma questão de cabeça. Dentro de mim eu falava: “Quero ver se vai me derrubar essa porra dessa quimio, essa porra dessa doença!”. Tinha dia que era foda. Mas no outro dia eu estava melhor. Fiz uma dieta ayurvédica, super recomendo, que fala que o alimento é o remédio, e que me ajudou muito.

Você mantém essa dieta? Algumas coisas sim, mas eu estava bem radical naquela época. Alimentação é uma coisa de que eu cuido muito.

Você tem alguma religião? Não. Fui criado no catolicismo. Mas a minha religião é o meu contato com o superior, com a força do Universo. Eu acho a religião às vezes muito perigosa. São tantos tabus... Cheguei a uma conclusão: é só o amor que faz você se entender e se conectar. Então eu sinto que é muito mais forte um gesto de amor, ter o amor no coração, do que palavras, orações. Muita gente fica presa na ideia de “não faça isso, faça aquilo” da religião e esquece de dar carinho pras pessoas. Tem gente que chega pra mim e fala: “Você não conhece Jesus!”. Principalmente os evangélicos. Eu falo: “Por que você acha que tem mais acesso que eu? Por que você é bitolado?”.

 

"Sou muito alvo de fofocas, de histórias que não vivi. Fico quietinho vendo aquilo andar sozinho"

 

Recentemente, manifestações varreram o país. Você acompanha essa discussão política? Quando elas começaram, eu estava filmando na Europa. A minha geração não viu isso. E foi muito louco de ver. Dá uma certa apreensão porque você não sabe direito aonde vai dar tudo aquilo, né? A gente foi acompanhando tudo, com vontade de chegar no Brasil e ver o que a gente podia fazer. A gente conseguiu mostrar que tem uma galera muito atenta hoje em dia. Não dá pra ficar fazendo qualquer merda, não dá mais pra ficar esse circo todo. A galera está indignada, e eu acho isso muito positivo. Vamos ver no que vai dar, porque essas manifestações começaram a ficar meio desagradáveis quando se misturaram à violência. Virou bagunça.

Você se formou em direito. Já era ator quando fez o curso? Na verdade, essa coisa de ator eu tenho desde criança. Era uma criança que vivia no palco, fazia da minha vida um palco. Essas manifestações são muito fortes, você tem que prestar atenção. E eu não prestei. Sou de Birigui, né? Lá você não acha que um dia pode trabalhar na televisão, no cinema. É muito distante essa realidade. Mas lá na frente eu vi que era minha vocação mesmo. A faculdade me fez entender que eu era uma pessoa que não queria lidar o tempo todo com a razão.

Você nunca achou que seria advogado? No segundo ano da faculdade eu já sabia que não, mas sou muito caxias e quis completar o curso.

Você já brigou de porrada? Já! É uma historia clássica da minha cidade. Eu era muito certinho, sempre fui. Até me incomodava com isso. Era muito educado, muito responsável. Me achava superdesinteressante. As garotas da escola gostavam do bad boy, do playboyzinho que tinha uma motinho. E tinha um menino que era o bad boy total. Eu tinha muito medo dele, porque ele era “o” cara da cidade. Ele estudava na minha classe e eu lembro que ele falava e todo mundo abaixava a cabeça. Um dia ele chegou apontando o dedo pra mim e eu falei: “Não! Comigo você não vai folgar!”. Ele falou: “Ah, então me espera na saída!”. Foi marcado o duelo. E foi uma violência, porque eu fui pra cima do menino e quebrei a cara dele. Todo mundo da cidade veio me cumprimentar como uma forma de libertação. Eu que sou da paz precisei dessa violência pra me posicionar.

Um ex-funcionário seu foi à mídia dizendo que vocês tinham tido uma relação amorosa e que você o teria presenteado com um apartamento. Você o processou. No que deu isso? Ainda está em juízo. É uma história que não tem nada a ver com caso de amor, é uma história megaprofissional. Contratei essa pessoa pra trabalhar pra mim, e eu estou cobrando na Justiça o que eu acho que está errado. Tenho tudo isso documentado, e eu estou querendo que seja provado. Que ele me traga a prestação de contas. É uma coisa que virou, com a imprensa muito leviana, um caso de amor, até porque houve essa ameaça de uma certa forma. Ele não tinha argumento e houve uma sugestão de que ele poderia me ameaçar por aí, pela minha imagem. Eu realmente não posso falar mais sobre o caso. A imprensa não falou com ele, né? Então vão lá, falem com ele.

 

"Com quem eu durmo não faz a menor diferença pra ninguém!"

 

Há uma tendência na mídia e na opinião popular de insinuar que astros jovens, talentosos e bonitos são gays. Isso acontece com você. Incomoda? Não. Porque tomo essa posição de não deixar afetar minha vida. O que importa é a sua verdade. Acho também que esse tema da sexualidade é tratado muito levianamente. Eu realmente evito falar sobre isso, porque qualquer coisa que a gente fale é usada contra a gente. Me recuso a ter que ficar explicando o que se passa na minha vida, em todos os sentidos. Com quem eu durmo? Com quem eu durmo não faz a menor diferença pra ninguém! Sempre fui uma pessoa megadiscreta com a minha mulher. Não sou de ficar beijando em público. É uma opção minha. Hoje tem muitas histórias de pessoas vivendo outras realidades. Eu respeito pra caramba todo mundo. Quer viver a três? Eu agora vou fazer uma novela do Manoel Carlos em que viverei um triângulo amoroso. Sou casado com a Giovanna [Antonelli] , e ela se apaixona por uma mulher. Vai ser um reflexo do que está acontecendo por aí, a possibilidade de você viver a três, abrir o seu casamento. Se você está vivendo a sua vida de um jeito que você achou que vai funcionar, acho maravilhoso. Eu sou um cara que gosta de olhar tudo e escolher o que quer. As pessoas confundem muito isso. Se você é um cara sem preconceitos quer dizer que você faz tudo? Não. Não ter preconceito significa você poder escolher o que você quer, sem julgamento das pessoas com opção diferente da sua. Sou a favor dessa liberdade. Acho muito pequenas essas discussões. Outro dia o Sheik [jogador do Corinthians] deu um selinho no Isaac [Azar, chef de cozinha e empresário], um cara meu amigo, pai de família. A Hebe Camargo fez isso a vida inteira. Aí virou uma discussão se ele era gay ou não, foi a torcida lá com faixas brigar. O que tem a ver o trabalho dele em campo com quem ele leva pra cama? É uma invasão. É um país que finge ser livre, mas que acho muito pouco livre.

Quanto você cuida da sua imagem? Muito! Mas cuidar da minha imagem não é querer aparentar alguma coisa que eu não sou só pra poder ganhar dinheiro, por exemplo. Mostrar a imagem é mostrar quem você é. Não posso pegar e sair bêbado por aí, até em respeito às vovozinhas que me acham um cara legal, sabe? Eu não sou só um bom moço, embora eu queira ser muito legal. Eu quero que todo dia minhas relações sejam melhores, que eu possa melhorar como ser humano. Mas óbvio que também dou minhas derrapadas.

Você bebe? Socialmente. Não vou sair por aí bêbado, aloprando, beijando. Tem coisas que você faz dentro da sua intimidade. E acho que faz parte você dar uma piradinha, mas tem que ter um limite na exposição.

Como é a sua relação com as outras drogas? Na minha adolescência tinha muito medo de me aproximar das drogas. Como tenho essa coisa dos excessos, sou um cara muito intenso, falei: “Cara, tenho muito medo de gostar e de entrar num caminho sem volta”. Então a droga sempre me deu rejeição. Até meus 20 e poucos anos eu nunca tinha experimentado nada. Não que eu beba pra caramba, mas eu gosto de beber, é a minha droga. Gosto de tomar uma taça de vinho, um uísque, uma vodca, pra tirar um pouco o sargentão que a gente é. Mas eu também não caio no chão, não sou de perder a memória. Tenho uma resistência física muito grande.

Mas já teve seus porres... Claro. Mas eu tenho uma resistência tão grande que sempre fui aquele que leva os bêbados pra casa, mesmo tendo bebido mais do que todo mundo, desde adolescente. Lá pelos 20 e tantos anos fui experimentar maconha, que é uma coisa pela qual eu acho que fazem muito barulho por nada. Pra mim não fez grandes coisas. Hoje em dia eu tenho o maior prazer em dizer que realmente não é a minha onda. Acho muito baixo-astral, sem ser careta. Não sou careta com nada na vida.

Tem planos de casar novamente? Fui muito bem casado. Meu casamento foi uma coisa linda. Eu gosto muito de estar casado. Mas confesso que, putz, tenho falta de coragem de encarar um casamento hoje em dia. Acho muito bonito casar, ter filhos, mas acho que você tem que saber onde você está entrando. Estar solteiro, disponível pra vida, é muito legal também. “Você não quer ter um filho?” Quero! Mas tem que aparecer a pessoa especial, não faria uma produção independente.

Tem alguma coisa que poucas pessoas sabem sobre você? Eu odeio fazer foto, desde criança nunca gostei. Minha mãe não tem foto minha porque eu não deixava tirar. Agora estou começando a brincar com esse negócio do Instagram. Posto fotos de trabalhos meu, tipo “olha que imagem bacana”, mas nunca é foto de mim. Se for, tem a ver com o contexto que eu quero mostrar, uma situação engraçada. O ator é tímido quando ele tira a máscara, ele não quer se expor.

Luiz Alberto Mendes: 'Não sou novela pra ser acompanhado'

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Somos obrigados a uma imagem social que só tem a ver com os valores eleitos socialmente, diferente da realidade existencial, que quase sempre é bem outra. Alguns cantam, outros chutam bolas, outros ainda escrevem e tem quem desfile. Transformam-se em ídolos, símbolos, fábricas de dinheiro, e têm suas imagens veiculadas pelos quatro cantos do mundo. Nós, as pessoas comuns, os seguimos e queremos ter algo que se assemelhe à imagem de sucesso difundida. Corpo, cabelo, excentricidades, roupas, dança e maneirismos são venerados e imitados até virarem moda. Em seguida viram modelos de conduta a serem copiados. É onde a corda aperta e a coisa pega.

Vokos

 

Desde que saí da prisão quiseram fazer de mim um modelo a ser seguido. Parecia lógico: se eu consegui vencer as barreiras, os obstáculos, e chegar aonde cheguei (não é quase nada, mas vivo bem e livre), qualquer outro preso seria capaz. Se eu, que já matara até dentro da prisão, que chegara a somar mais de cem anos de condenações por crimes e roubos, conseguira, por que os 201 mil presos do estado não conseguiriam? Mas eu não podia aceitar ser modelo de nada. Possuía pés de barro e teto de vidro; não podia assumir tamanha responsabilidade. Já pensou se falho? Até onde sei, ninguém parou de errar só porque o elegeram modelo de alguma coisa. Errar, assim como acertar, é parte da condição humana.

Não aceito ser modelo porque é falso dizer que eu mudei, que me transformei ou algo que o valha. Não mudei nada. Sou a somatória de todos os meus erros, fracassos e de minhas poucas e quase esquecidas vitórias. Eu apenas cresci, progredi, ultrapassei erros grosseiros, venci mesquinharias antigas e tentei me fazer melhor sem deixar de ser eu mesmo.

Não há nenhum heroísmo em cumprir mais de 30 anos de prisão. Não fui um exemplo a ser seguido de modo algum. Eu apenas fui dando continuidade à minha existência. Só isso. Como fazer senão aguentar? Não havia alternativas. Grades, muralhas e homens armados impediam qualquer outra opção. Bem que tentei fugir muitas vezes, mas não deu muito certo. Cheguei a ser baleado quando já estava em cima da muralha para descer. Suicídio? Nem pensar. Não possuía coragem para renunciar ao que o futuro me reservava. Forcei todas as barras e lutei em todas as frentes de batalha para chegar ao que estava por vir. Nada mais fazia sentido. A libertação física foi apenas uma das muitas consequências. Houve outras, exatamente aquelas que me fizeram permanecer o que sou e onde estou.

Ninguém é normal

Não sou novela para ser acompanhado. Não quero ter sob minha cabeça a espada de alguém que me siga. E, também, venhamos e convenhamos: seguir o que, não é verdade? Vendo aqueles que são seguidos, não me agradaria estar no time deles. Encontrei pessoas admiráveis, cujo exemplo tento seguir com toda minha precariedade. Mas, ao conviver com algumas delas, a decepção foi acachapante. Então senti na pele o que dizia Caetano: de perto ninguém é normal. Todos nós, por melhores que sejamos, ainda assim temos algum desequilíbrio. O ser humano é triste. E exceções como Mandela, Gandhi, Martin Luther King, Albert Schweitzer e alguns poucos outros parecem que são apenas para confirmar a regra. Depois, quem colocaria a mão no fogo com relação ao cotidiano, à intimidade desses grandes seres humanos?

Há quem diga que foram os grandes homens que impulsionaram e fizeram a história da humanidade. Não creio. Hoje os símbolos podem ser fabricados e as imagens, transformadas por profissionais da mídia. Do nada um ilustre desconhecido pode ser visto como uma celebridade. Com as imagens e os símbolos assim plásticos, fluídicos, manipuláveis e rapidamente transformados em mercadorias de compra e venda, creio que, finalmente, estamos chegando ao fim dos modelos.

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail élmendesjunior@gmail.com

Caçada olímpica

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É madrugada na Floresta Amazônica. O breu toma conta da mata fechada no entorno da comunidade indígena Três Unidos, uma tribo da etnia cambeba instalada às margens da boca do rio Cuieiras, a pouco mais de 60 quilômetros de Manaus. No interior da selva, sozinho e inerte com seu arco sobre o galho de uma árvore, o jovem Iagoara, 17 anos, ignora a ausência de luz e mantém sua mira no incauto caititu, uma espécie de porco-do-mato. A primeira flechada acerta o dorso do animal e o faz tombar. A segunda estocada é tão profunda quanto sua morte.

O abate seria só mais um entre tantos na rotina do valente nativo de olhar sereno, não fosse por uma condição. Quando se concentrou para não deixar o caititu fugir, ele tinha dois objetivos: o jantar e uma das seis vagas reservadas para a seleção brasileira de arquearia que irá participar da Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016. “Entro sozinho no mato para caçar desde os 9 anos. Eu sempre sei a trilha que cotias, capivaras e porcos-do-mato fazem para comer. Aí é só ficar na espreita até eles chegarem perto. Só não peguei ainda uma anta, mas um dia eu pego”, conta Iagoara, que sonha também com uma medalha olímpica.

A meta ambiciosa do talentoso índio – que no RG é Drean Braga da Silva – é compartilhada com mais sete jovens índios das etnias baré, carapanã e cambeba, com idades entre 14 e 19 anos, pinçados nas seletivas que começaram em janeiro deste ano com cem participantes de diferentes regiões do Amazonas. Neste mês, será feita mais uma peneira para definir o grupo de seis arqueiros indígenas que irão se aprimorar no centro de treinamento na Vila Olímpica de Manaus ao longo de 2014 para tentar conseguir o índice para os Jogos no Brasil, em que os principais concorrentes serão os russos, os italianos e os atuais campeões olímpicos, os sul-coreanos.

Coordenado pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), em parceria com a Federação Amazonense de Tiro com Arco (Fatarco), a Confederação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Coipam), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Secretaria de Estado da Juventude, Desporto e Lazer do Amazonas (Sejel), o projeto tem origem na convicção do professor Virgílio Viana, superintendente-geral da FAS, de que o talento inato dos índios com o arco e flecha é um fator determinante para credenciá-los como atletas profissionais. “A base é estimular positivamente a autoestima desses jovens indígenas com a inclusão social que o esporte traz”, diz Virgílio, PhD em biologia da evolução pela Universidade de Harvard e especialista em Amazônia.

Treino in natura

Quando não está caçando ou estudando (a comunidade Três Unidos, onde moram 17 famílias, conta com duas escolas – uma municipal e outra estadual, mantida pela FAS e financiada pela Samsung) –, Iagoara treina com outros jovens que não puderam participar ou caíram nos testes, além de Mui Pirvata e Wuanaiu, dois outros arqueiros que ainda lutam pela vaga na seleção brasileira. O trio, que já fez a transição do arco indígena, feito apenas com pedaços de palmeiras, para o arco recurvo olímpico, composto de lâminas, punho, corda, estabilizadores e mira, não tem folga nos dois treinamentos diários dados pela professora de educação física e caçadora de talentos esportivos de alto rendimento Márcia Lot. A trégua só é dada quando a exigente, porém brincalhona, paulista de 54 anos, que já trabalhou nas Olimpíadas de Barcelona (1992), Atlanta (1996) e no Pan-Americano do Rio de Janeiro (2007), manda a turma mergulhar nas calmas, limpas e escuras águas do rio Cuieiras para relaxar e descontrair.

Devidamente molhado e sem demonstrar sinais de cansaço, Wuanaiu, também com 17 anos, ganhador da medalha de ouro na sexta edição dos Jogos Indígenas na aldeia baré, diz que sua mira melhorou desde que começou a usar o arco olímpico. “Hoje em dia caço mais e também consigo pescar mais tucunarés na época da vazante do rio.” Ele também revela sua vontade de estudar medicina: “Meu avô é curandeiro. Aprendi com ele a vontade de ajudar as pessoas”.

O precoce Mui Pirvata, 15, ameaçou fugir com sua namorada há três meses para casar no outro lado do rio, ca­so os pais de ambos não aceitassem a decisão. Já que aceitaram, ele só quer saber da arquearia. “Em menos de um ano o treinamento já me ajudou muito. An­tes eu só flechava de canhoto, agora já posso usar os dois braços”, conta, sob o olhar admirado de Márcia.

Espírito de equipe

De volta à areia fina e branca da praia, eles recomeçam os tiros, disparados, em média, 300 vezes por dia, a uma distância de 40 metros (na Olimpíada serão 70 metros). “Não basta ter só talento. É preciso que eles mostrem atitude e que estão abertos para o desconhecido. Minha função, além de treiná-los, é provocá-los”, afirma Márcia. “Eles são muito puros, quase nunca saem da tribo. Na primeira vez que fomos para Manaus, para participar de uma seletiva, eu disse que iria levá-los para conhecer o shopping center, um lugar onde as portas e torneiras abrem e fecham sozinhas. Quando chegamos, dois dos melhores arqueiros travaram e não entraram. A ideia é fazer isso para que eles não corram o risco de se recusar a viajar de avião, por exemplo”, conclui a treinadora, que se diz encantada com o caráter dos índios.

Ainda que sejam competitivos, a índole deles se revela em atitudes pró-coletivas, uma atitude definida como natural pelo cacique Triucuchuri. “Nada abala nossa autoestima. Não temos inveja. Quem fica de fora torce pelo outro, mesmo que seja de uma etnia diferente”, diz o líder cambeba, enquanto monta a fogueira que irá assar a carne de caça que chegará no começo da noite.

A força mental e o talento inato, demonstrados pelos arqueiros das variadas etnias amazonenses, derrubaram paradigmas de que os índios, por seu espírito livre, retratado desde os tempos da colonização e escravatura no Brasil, não fossem capazes de se adaptar à regularidade e à disciplina dos exercícios intensivos. Quando o idealizador Virgílio Viana falou de sua ideia, a primeira reação do técnico da seleção amazonense de tiro com arco, o paulista Roberval dos Santos – considerado um dos melhores arqueiros do Brasil e principal responsável pelas avaliações e treinamentos –, foi de descrédito. Mudou de opinião na primeira oportunidade que teve de testá-los. “Eles têm capacidade inata de mira, concentração e força, além de uma adaptação surpreendente. Em três dias eu consegui ensinar fundamentos que precisaria gastar quatro ou cinco meses se fosse para um arqueiro não indígena”, conta o treinador, que disputou a última etapa da Copa do Mundo da modalidade, em Antalya, na Turquia, e por isso não aparece nas fotos desta reportagem.

A expectativa e ansiedade dos três cambebas são grandes. Entretanto, além da vontade de conseguir o status de campeões reconhecidos mundialmente, eles carregam consigo o desejo de usar esse treinamento para melhorar o cotidiano da aldeia. Afinal, que troféu tem mais valor? Uma medalha no peito ou um caititu no jantar?

Chena Llanos

Na mosca - Ou quase 

Apesar da iniciativa de treinar os jovens índios, o caminho dos atletas do tiro com arco é bem longo. Na Olimpíada de Londres, só um dos nossos arqueiros – Daniel Xavier (foto abaixo) – conseguiu índice para a disputa individual, mas não foi muito longe na competição (ocupou o 51º lugar). Apesar das raízes indígenas, as competições desse esporte no Brasil são recentes, começaram a acontecer na década de 1950. Nossos melhores resultados até agora foram nos já distantes anos de 1972 e 1983, quando conseguimos o bronze nos Jogos Pan-Americanos – a melhor colocação na Olimpíada foi o 30º lugar de Vítor Krieger, na Olimpíada de Barcelona, em 1992. Olhando pelo lado positivo, o arco e flecha é uma das modalidades mais democráticas: é comum ver quarentões acima do peso no pódio. Se o treinamento for feito pensando a longo prazo, não olhando apenas para os Jogos do Rio, há boas chances de o país evoluir no esporte.Na mosca - Ou quase.

Orchard Beach

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O Bronx, um dos cinco distritos que compõem a cidade de Nova York, é considerado um dos lugares mais heterogêneos dos Estados Unidos. Foi um dos berços da salsa e do hip-hop, bem como de diversas outras culturas underground. Mesmo assim, ele ainda é visto como terra de ninguém por muitos nova-iorquinos. A maioria se recusa a aventurar-se por essa porção de terra a nordeste da cidade – talvez por questões geográficas, talvez por medo da reputação barra-pesada que seu nome evoca.

Desde sempre, o Bronx acolhe famílias de imigrantes oriundas de todos os cantos do mundo. Mas sua imagem é definida principalmente pelo caos que tomou suas ruas entre o final dos anos 60 e o começo dos 80, quando depredações, incêndios, vício em drogas e todo tipo de negligência social eram praxe. Para as famílias que resolveram chamar esse cenário destruído de lar, Orchard Beach, a única praia em todo o distrito, era e continua sendo um abençoado refúgio do confinamento imposto pela selva de concreto. Construído nos anos 1930 pelo urbanista Robert Moses, o lugar carrega o estigma de “a pior praia de Nova York”, sendo comumente chamado de Horseshit Beach (Praia de Bosta) ou Riviera de Porto Rico, por causa dos muitos frequentadores latinos.

Eu comecei a fotografar as pessoas de Orchard Beach durante o verão de 2005, assim que me mudei para Nova York. Logo percebi que a má fama deste oásis era completamente injustificada. Não tive outra alternativa a não ser me envolver com essa comunidade de famílias trabalhadoras, repleta de personagens megacoloridos. As fotografias deste ensaio celebram o orgulho e a dignidade dos que se estiram na areia não tão branca e mergulham na água nem sempre limpa de Orchard Beach.

Imagino que a primeira coisa que capture o olhar do leitor seja o estilo extravagante dos modelos. Para mim, é tudo parte de uma busca profunda por identidade e sensação de pertencimento – indivíduos carregando cicatrizes, marcas e vestígios de suas trajetórias pessoais, que muitas vezes refletem a própria história complexa do local onde cresceram. Através do olhar dos retratados, vemos uma comunidade que se mantém de pé apesar de todo o preconceito que sofre da opinião popular.

Os seis anos que passei fotografando Orchard Beach me deram não apenas tempo e espaço para refletir sobre a importância de coisas como família e comunidade, mas também um sentimento de irmandade e propósito na vida.

Bem na foto?

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Talvez tenha acontecido com você. Ao escolher a chuleta para o churrasco de domingo, olhou sorrateiramente para os lados desconfiando de que Tony Ramos apareceria a qualquer momento no supermercado para lançar a pergunta: “É Friboi?”. Mais do que os internautas que compartilharam dezenas de memes – do fofo ao macabro – inspirados no bordão, quem sorri são os acionistas do grupo JBS, detentor da marca Friboi. As vendas subiram 20% desde que os filmes com o ator começaram a ir ao ar em junho deste ano, gerando lucro de R$ 300 milhões para a empresa.

A busca era por um porta-voz que conferisse credibilidade ao produto e fizesse o consumidor incorporar um novo hábito: pedir um corte de carne pela marca. Na pesquisa pelo nome ideal feita pela agência Lew’Lara\TBWA, criadora da campanha, surgiram personalidades como Regina Duarte e Ana Maria Braga. Tony venceu disparado. “Ele não faz muita propaganda, inspira confiança, nunca cedeu ao glamour da indústria de celebridades, tem uma vida estável, é casado há anos com a mesma mulher e quem o conhece sabe que não vai dar seu nome a um produto duvidoso”, diz Márcio Oliveira, presidente da agência.

Não é novidade ver gente famosa ajudando a vender papel higiênico, sabonete, cereal ou iogurte. Mas parecemos viver uma inflação de rostos conhecidos nas mais diversas frentes – um fenômeno mundial. As razões ficam evidentes em pesquisas como a Persona, elaborada desde 2011 pelo escritório de consultoria em marketing Ilumeo. Ela aponta que o consumidor se dispõe a pagar até 19% a mais por produtos e serviços anunciados por celebridades e que as campanhas que pegam carona em sua fama costumam resultar em um acréscimo de 15% no recall – a lembrança da marca após a veiculação dos anúncios.

Uma pergunta que não cala é: por quê? Faz sentido que, em um mundo cada vez mais bem informado – e, em certa medida, mais crítico –, as celebridades ainda tenham tamanho poder de influenciar o nosso consumo? O que nos faz preferir a pasta de dentes anunciada por um pop star? Uma das pistas trazidas pelo historiador britânico Fred Inglis, professor de estudos culturais da Universidade de Sheffield, em Breve história da celebridade (Versal Editores, 2012), aponta sentimentos tão prosaicos quanto a inveja. “O glamour é o objeto da inveja em carne e osso”, diz o autor. “A psicose da publicidade é circular e sem trégua: move-se do desejo para a inveja, e desta para a compra, para a decepção, para a raiva ou resignação e de volta para o desejo”, explica.

Em sua obra, Inglis esmiúça a cultura da fama nos últimos 250 anos, traçando o perfil de personalidades como o escritor inglês Lord Byron e a atriz francesa Sarah Bernhardt (que construíram sua imagem mesclando arte, mítica pessoal e mexericos, modelo de celebridade que temos até hoje) e também de esportistas, milionários, astros de cinema, políticos, âncoras de telejornal e ditadores. O autor situa a época de ouro de Hollywood – as décadas de 1930 a 1970 – como o momento em que a notoriedade passa a valer como moeda de troca no mundo da propaganda. “Onde está a celebridade, sempre está o dinheiro.”

 

As vendas da Friboi subiram 20% desde que os filmes com Tony Ramos apareceram na TV

 

Filósofo e doutor em comunicação, José Luiz Aidar Prado, coordenador do Grupo de Pesquisas em Mídia Impressa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, não diria que a celebridade define hábitos de consumo. “Mas é figura central de um grande dispositivo de comunicação voltado à convocação dos consumidores para escolher certos modelos de vida e de busca de sucesso, ligados à carreira, ao êxito pessoal, à saúde e à beleza”, diz ele em entrevista à Trip. Prado ressalta ainda que o capitalismo é mais que um sistema econômico: é um sistema cultural que vende a cada grupo estilos de viver. Daí vem a força da celebridade como exemplo de vida e consumo. “A crítica a esse grande dispositivo é que ele torna visível uma forma de vida concentrada no dinheiro, em modos reduzidos e individualistas de sucesso.”

Está gravado no cérebro de nossas avós: “Nove entre dez estrelas de cinema usam Lux”, marca de sabonetes que estampou Marlene Dietrich, Elizabeth Taylor, Sophia Loren e a mais fulgurante de todas, Marilyn Monroe, em sua série histórica de anúncios. Assim como uma das frases mais famosas de Marilyn – “Uso apenas duas gotas de Chanel nº 5 para dormir” – ecoa até hoje na mente da consumidora que se imagina nua, loura e pecaminosa entre lençóis. Com essa declaração, a atriz pode ser considerada precursora da “tuitada patrocinada” bem-sucedida.

O especialista em marketing Terence A. Shimp, professor da americana Darla Moore School of Business, desenvolveu um modelo teórico para analisar a eficácia de uma celebridade nas decisões de compra do consumidor, largamente utilizado por empresas. São cinco pontos básicos ponderados: credibilidade (confio no que ele faz), conhecimento (ele só fala do que realmente entende), poder de atração (ele chama a atenção para o que vende), respeito (tenho consideração por suas opiniões) e similaridade (me identifico com ele).

Na pesquisa Celebridades, Marcas e Consumo, publicada pela editora Abril em 2012, o padrão de Shimp foi usado como base para a análise de 50 famosos brasileiros. O público consultado, exclusivamente feminino, apontou o poder de atração e o respeito como atributos mais recorrentes, numa lista encabeçada por Luciano Huck, Ivete Sangalo, Tony Ramos, Reynaldo Gianecchini, Glória Pires, Xuxa e Silvio Santos. Trinta e cinco por cento das entrevistadas se declararam “seguidoras” das celebridades, disseram que “amam e confiam nelas” e pretendem “não ter sua confiança traída”.

O que os garotos propagandas têm?
Bons moços Reynaldo Gianecchini personifica o sujeito confiável e batalhador. A campanha do Banco do Brasil feita na época do tratamento contra o câncer reforçou a imagem de coragem e luta.
Descoladas Sabrina Sato, Cleo Pires, Grazi Massafera e Juliana Paes lançam moda e tendências. Mesclam sensualidade e beleza com uma imagem positiva para ambos os sexos.
Populares Funkeiros como Naldo e Anitta têm apelo jovem e popular. Ele dança no festival de ofertas do supermercado e ela aparece sensual em propaganda de camisinhas.
Humoristas Fábio Porchat, Lúcio Mauro Filho, Gregório Duvivier e Bruno Mazzeo estrelam um sem-número de campanhas: biscoitos, etanol, refrigerantes, telefonia celular. Há quem critique os humoristas por falta de critério, mas são nomes que vendem.
Reabilitado Fábio Assunção é exemplo de celebridade que levantou, sacudiu a poeira e teve a credibilidade recuperada. No auge do envolvimento com drogas, a Nextel manteve seu passe e direcionou a campanha com base na sua história de superação.
Fênomeno Ronaldo não perde a majestade mesmo depois de escândalos sexuais e piadas sobre sua forma física. “Está no nível dos ídolos como Pelé”, diz Fábio Wajngarten, da Controle da Concorrência.
Musa Gisele Bündchen é garantia de audiência em qualquer campanha. Camila Pitanga, segundo Edson Giusti, é a mais perfeita tradução da classe C: “É a nova brasileira, bonita, elegante e com credibilidade”.

 

A clareza e a qualidade da mensagem, aliadas à imagem que o famoso transmite (e, para usar o jargão publicitário, aos atributos alinhados aos da marca) é que farão a palha de aço vender como pipoca na porta do circo. É o que o publicitário e cientista social Diego Senise, sócio da Ilumeo, chama de “congruência”. Seu escritório faz um acompanhamento semestral de mais de cem nomes da TV, da música e do esporte, monitorados a partir de entrevistas com 10 mil pessoas em dez estados para identificar atributos vendedores em nosso star system. Num resultado divulgado em 2011 (a empresa não revela dados mais recentes), Tony Ramos e Bernardinho figuravam entre os mais confiáveis. Camila Pitanga também aparecia nessa lista e em outra, a das “modernas”, com Sabrina Sato e Cleo Pires. Deborah Secco e Juliana Paes entravam no rol das “sedutoras”.

 

Raí conseguiu driblar o campo minado da superexposição. Optou por poucos e bons contratos

 

Se um anunciante acerta na escolha do porta-voz para o seu produto, a resposta chega em cifrões. “Contra números não há argumentos”, diz o consultor Edson Giusti, diretor da empresa de gestão de imagem Giusti Comunicação. Mas adverte que é comum notar, tanto por parte de marcas como de celebridades, o comportamento que classifica como “histérico”: anunciantes aproveitam-se de famosos emergentes sem o lastro de uma carreira sólida para tentar vender mais, e famosos de ocasião surfam nos minutos de fama para estrelar uma baciada de campanhas. O recomendável, afirma, é ser cuidadoso e construir uma imagem a longo prazo. “Wagner Moura é um exemplo. Escolhe as campanhas que faz com o mesmo cuidado que elege bons papéis. Os artistas precisam pensar da mesma maneira que uma marca respeitada, pois marcas e pessoas buscam, mais do que nunca, um significado”, diz.

Raí, um dos nomes que mais apareceram na publicidade brasileira ao longo de 2013, segundo estatística da empresa Controle da Concorrência (veja quadro), preocupou-se em driblar o campo minado da superexposição. Quando encerrou a carreira no esporte, em 2000, surgiram propostas para que associasse sua imagem a uma miríade de produtos e eventos. Seguiu o caminho da sensatez, montando um escritório para cuidar de seus projetos e unindo-se a Paulo Velasco, formado em administração de empresas. Abrindo mão da tentação do contrato fácil, optou por escolher poucos e bons. A filosofia da empresa Raí+Velasco (que também administra as imagens do ex-goleiro Zetti e da jogadora de basquete Magic Paula) mostrou-se eficaz: hoje um contrato publicitário do ex-jogador é negociado por valores dez vezes maiores do que quando sua estrela brilhava no São Paulo ou no Paris Saint-Germain.

“Aconselhamos nossos artistas a selecionar com cuidado os convites, mas a palavra final é sempre deles”, diz Mariana Lobo, diretora da agência de talentos carioca Twogether, que tem Bruno Gagliasso, Cleo Pires e Luana Piovani entre seus clientes. Ela conta que, por causa do sucesso da série De pernas pro ar, a atriz Ingrid Guimarães recebeu propostas de anunciar toda sorte de implementos sexuais, incluindo calcinhas comestíveis. “Concordamos que não valia a pena vincular sua imagem a esse tipo de produto, apesar de ter tudo a ver com sua personagem no cinema.”

Certas marcas, entretanto, estão na lista que toda celebridade gostaria de chamar de sua. A Havaianas é um dos exemplos mais notáveis. “Por meio dos agentes, recebemos inúmeras sugestões de artistas para participar dos nossos filmes”, diz Rui Porto, consultor de comunicação e mídia da Alpargatas. A escolha de quem terá esse privilégio (os agentes reconhecem que um filme de Havaianas é capaz de dar um up na carreira de qualquer famoso) nunca parte de um nome, mas de um roteiro. “A estrela da campanha é sempre a marca. Depois é feita a pesquisa e definimos quem combina com cada situação. Raramente ouvimos um não”, explica Porto.

Desde os anos 90, quando as sandálias de borracha passaram por repaginação de cor, estilo e conceito, deixando de ser “chinelo de pobre” para se transformar em acessório fashion, até o mês passado, foram produzidos 201 filmes, todos com famosos (sem contar as campanhas estreladas por Chico Anysio e sua turma nos anos 70). As historinhas, que colocam o famoso em alguma roubada, são vividas por gente que, segundo Porto, personaliza irreverência e descontração. “Desmistificamos a celebridade.”

Em tempos de redes sociais, anunciantes e agências podem monitorar o tempo todo o comportamento das celebridades, e aferem seu poder de fazer amigos e influenciar pessoas. Mandar bem no Twitter, no Facebook ou no Instagram também norteia a escolha de um famoso para uma campanha hoje. A agente Fernanda Ribas, da FR Produções, que cuida da carreira de artistas como Vladimir Brichta, Alexandre Borges e Clarice Falcão, reconhece que um bom desempenho nas redes pode ajudar a gerar mais lucros. “Alguns clientes solicitam esses dados porque é mídia imediata. Em muitos casos, os contratos estabelecem que a marca seja citada pelos próprios artistas em seus posts.”

 

Anunciantes e agências monitoram as celebridades nas redes sociais para ver seu poder de fogo

 

Pesquisas qualitativas também verificam a influência de celebridades sobre o pensamento do consumidor e do cidadão. Um estudo da Ilumeo perguntou aos entrevistados de que personalidades gostariam de ouvir opiniões sobre a recente onda de manifestações no país. Atrás de Lula e Dilma, Silvio Santos aparece em terceiro lugar. Jô Soares, Xuxa, William Bonner, Neymar, Pedro Bial, FHC, Marília Gabriela, Luciano Huck e Ratinho foram outros muito citados. Uma das principais justificativas apontadas pelo público na pesquisa foi: “Eles trariam pontos de vista diferentes para ajudar a formar minha opinião”.

Não se sabe o que Silvio Santos poderia dizer que trouxesse alguma luz às questões complexas que a sociedade como um todo está discutindo. Mas a pesquisa é um sinal de que, mesmo em um mundo em ebulição, que vai às ruas para reivindicar seus direitos, a opinião de uma figura famosa será sempre considerada. E, em muitos casos – como parece ser o de Tony Ramos ou do próprio Silvio –, tal celebridade será vista como acima do bem e do mal. E isso vende.

CAMPEÕES DE AUDIÊNCIA*
As celebridades que mais apareceram em publicidade na TV aberta de 1o de janeiro a 15 de setembro de 2013
Ranking Famoso Inserções
Reynaldo Gianecchini  7.294
Gisele Bündchen  4.774
Neymar  4.513
4º  Ronaldo Fenômeno  4.257
5º  Regina Casé  3.837
6º  Patricia Abravanel  3.508
7º  Bruno de Luca  3.051
Claudia Leitte  2.540
9º  Raí  2.217
Beyoncé  2.217
10º  Adriane Galisteu  2.153

 *Fonte: Controle da Concorrência

Alô, vô

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Andre Lichtenberg / Getty Images

Nos anos 70, Natal ainda era uma cidade bem pequena. A Praia dos Artistas era frequentada por pouca gente e vivia linda, alviverde, se oferecendo para os felizardos que, por um motivo ou outro, podiam estar ali. Lá por 1978, 79, eu era um deles. Acordava cedo e ficava zanzando pelas areias, alternando quedas no mar a cada bocado de tempo, como se não houvesse amanhã. Viajar sozinho desde moleque foi um dos mais eficientes mecanismos de educação que encontrei. Felizmente, por ingenuidade ou convicção, ou talvez até por sentirem que havia de fato muito pouco a fazer para evitar, ao contrário da maioria dos pais de garotos de classe média daquela época, os meus não só permitiam, mas davam uma pequena ajuda para que eu pudesse largar São Paulo. Alguns trabalhos temporários me davam certa autonomia para pegar ônibus e ganhar a pista. Assim, com uma mochila verde exército de lona e alças de couro forradas com feltro cinza cor de ratazana, eu seguia só, litoral acima, rumo ao norte do Ceará, passando por lugares mágicos que iam de Saquarema a Paracuru, passando pela então virginal Praia do Francês nas Alagoas, Serrambi e Gaibu, perto do Recife, e pela supracitada Praia dos Artistas, primeira escala a caminho da quase desconhecida Praia da Pipa.

Mas, de volta a Natal, me lembro de um final de tarde bonito e melancólico em que, depois de passar mais um dia desfrutando da energia estranha e revigorante que habita a faixinha divisória entre continente e oceano, me senti profunda e silenciosamente solitário. Já tinha certa experiência em perambular sozinho e nunca senti nenhum desconforto com a situação. Ao contrário, era difícil estar melhor do que naqueles momentos, em cadeiras de ônibus, trens, pranchas de surf ou em andanças por ruas e praias sem ninguém para dividir os pensamentos ou para discutir decisões que precisassem ser tomadas. Tornou-se quase um vício e com o tempo fui descobrir que o processo era análogo aos que iogues e meditadores praticam. Uma técnica, mais rudimentar talvez, de assumir um certo controle sobre o turbilhão permanente de sons, ideias e pensamentos que nos roubam a mente durante todo o tempo acordado. Era como se aos poucos esse turbilhão fosse vendo seu volume ser abaixado até ir sumindo e ficar inaudível. E era exatamente ali que uma espécie diferente de calma e de livre pensar assumia o painel de controle de um radar quase vazio.

Ocorre que naquela tarde vazia (como diria a recém-rejuntada banda Ira!) ocorreu o inverso. O turbilhão de coisas para fazer, de tarefas a cumprir, de pequenos prazeres a perseguir e satisfazer deu lugar não a uma tela branca e leve, mas a uma pantalha gigantesca em 3-D, cheia de gatos angorás raivosos e de boitatás enfurecidos que em pouquíssimo tempo começaram a bailar um ritmo desencontrado, esganiçado e frenético. Tudo se transformou numa angústia tão funda quanto a camada mais inatingível do pré-sal. Importante lembrar que então, para o bem e para o mal, só o Agente 86 possuía instrumento de comunicação móvel. Estávamos numa espécie de mesozoico da tecnologia, tempo em que as pessoas ainda pediam para as avós e mães costurarem bolsinhas para carregar dinheiro dentro de cuecas, muito antes de políticos e funcionários públicos tornarem a prática mais popular.

Quando vi um orelhão da Telern (seria esse o nome da companhia telefônica do Rio Grande do Norte àquela altura?) tão solitário quanto eu, ambos vindos de encarar uma descarga de sol cavalar sobre o coco ao longo do dia, senti uma identificação absoluta e irresistível com o artefato. Não me lembro exatamente por que (provavelmente meus pais e meus poucos amigos acessíveis também estavam fora de São Paulo e do alcance do precaríssimo sistema de telefonia da época), mas restou-me tentar a sorte numa improvável ligação a cobrar direcionada à minha avó paterna. Uma senhorinha da maior gentileza e cheia de amor, já naquele tempo avançada nos anos, mas com quem eu não tinha contatos tão frequentes e cujos assuntos não iam muito além dos cardápios deliciosos que ela oferecia ad aeternum ou de reclamações acerca de algum vilão da novela das 8. Mesmo assim, girei o disco rezando para que, do outro lado, ela não só atendesse como dissesse sim ao pedido da telefonista de aceite da ligação e, claro, da conta, posto que a tal bolsinha de cueca encontrava-se já em fim de rota e na esquina do mapa nacional, quase tão vazia quanto meu pobre coração adolescente naquele momento. Como mágica, depois de alguns minutos de angústia, ouvi a voz da minha avó, rouca e feliz, apesar de surpresa com o inusitado da ligação. Por alguns minutos, mantivemos a mais amorosa e sem sentido das conversações. Eu tentando descrever algo que ela jamais entenderia e ela me contando o que estava preparando para o jantar e me dando o conselho que mais adorava dar: só gaste seu dinheiro com boas comidas.

Desliguei o telefone com a alma embrulhada no mais puro veludo cotelê, reconfortado e me sentindo forte. Cinco minutos de alento me fizeram entender que o fato de ficar dez dias sem falar com ninguém além de um balconista de padaria e do bom-dia ao porteiro de uma pousada (algo que hoje está na moda e se chama “retiros de silêncio” e pelo que se paga boas somas de dinheiro que não caberiam nas bolsinhas de cuecas – a não ser nas dos políticos) produz aprendizados riquíssimos e indeléveis, mas às vezes cobra seu preço.

É sobre isso, sobre a dor e a delícia de estar só, que fizemos a edição da Trip na qual você vai entrar agora.

Só.

Paulo Lima, editor


Surfista de Fibra

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Capim Filmes/Divulgação

O designer carioca Thomas Scott usa plantas como agave e miriti para confeccionar pranchas de surf que poluem menos o meio ambiente

Thomas Scott sonha com o dia em que terá uma plantação própria para se abastecer da matéria-prima de suas criações. “Meu desejo é unir a produção de palmeiras com a fabricação das pranchas”, diz o surfista e designer carioca, que faz shapes com agave e miriti, dois gêneros de plantas palmáceas, que ele coleta ou compra de ribeirinhos. Scott, 28 anos, tem familiaridade com o vocabulário botânico. Filho de um biólogo, ele desistiu do curso para viver em contato com a natureza por meio do surf. “Estar dentro de um tubo é o máximo de envolvimento entre o homem e o meio ambiente”, teoriza. Incomodado com a poluição provocada pelo poliuretano, derivado do petróleo usado na fabricação das pranchas tradicionais, Scott foi atrás de uma alternativa mais sustentável para seus modelos. Em seu estúdio, no Rio de Janeiro, ele cria pranchas que custam, em média, R$ 1.500 cada uma.

Capim Filmes/Divulgação

Como é feita a coleta do agave e do miriti? Fiz o mapeamento do interior do Rio de Janeiro, onde há abundância de agave. Eu peço permissão aos donos das propriedades para fazer a extração da planta. O miriti são os ribeirinhos que extraem e vendem para mim. Eles têm acesso às palmeiras, que proliferam em regiões alagadas, e fazem uma poda dos ramos entre o caule e a folha, usados como matéria-prima.

Qual é a vantagem dessas pranchas em relação às tradicionais de poliuretano? Elas mantêm a velocidade por mais tempo. Não é uma vantagem, mas proporciona uma experiência diferente. O miriti tem mais fibra. A prancha fica um pouco mais rígida. Na parte estética, elas mantêm a aparência de novas por mais tempo e têm menos tendência a se deteriorar.

Por que as pessoas usam esse tipo de prancha? Alguns querem testar, ter uma experiência diferente. Outros a usam como decoração. Às vezes são as duas coisas.

Você acredita que um dia o poliuretano possa ser abandonado no processo de fabricação? De imediato não tem como largar o uso do petróleo, mas, aos poucos, sim. O Brasil tem muitos recursos naturais. Meu papel, como designer interessado pelo surf, é abrir o olho para essas novas possibilidades.

Vai lá: studiocaturama.blogspot.com.br

Capim Filmes/Divulgação

Vida severina

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“Quando cheguei ao Brasil, fiquei intrigado com os porteiros daqui, uma profissão em extinção na Itália”, diz o fotógrafo Mirko Cecchi, 34 anos, que vive entre Milão e Rio de Janeiro. “Apesar de serem figuras solitárias, de classe social diferente, eles acompanham a vida dos moradores dos prédios luxuosos onde trabalham, às vezes por décadas. Cumprimentam todos os dias, veem as crianças crescerem, oferecem ajuda e sabem da rotina de cada um”, resume o italiano, autor do ensaio Porteiros de Ipanema, que ilustra as colunas desta edição de novembro.

Vai lá www.mirkocecchi.com

Silêncio no recinto

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Zuma Press, Inc./Alamy/Glow Images

Em Minneapolis (EUA) existe um lugar onde nenhum ser humano aguenta ficar por muito tempo. Construída para testar sons sutis, como toque de celular, e para treinar astronautas da Nasa a suportar o silêncio espacial, a câmara sem eco da Orfield Laboratories ganhou o título de local mais silencioso do mundo do Guinness Records. Com paredes de aço, concreto e placas de fibra de vidro, a sala absorve 99,99% do som ambiente. Quem entra ali ouve apenas ruídos internos, como respiração e batimento cardíaco. A sensação é tão agonizante que o recorde de permanência foi de meros 45 minutos.

Guardião da floresta

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William de Moura/Agência O Globo

Severino na gruta onde morava até 2011

Severino na gruta onde morava até 2011

Por 32 anos, o pernambucano Severino Gomes viveu numa gruta na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Fomos atrás dele para saber sua história

Sigo seus passos, que pisam firme estalando folhas secas. Com sotaque pernambucano arretado, aos 61 anos, ele fala sobre cada pedaço da floresta, que conhece tão bem. “Vou te mostrar o que já foi uma fonte de água”, diz, caminhando por uma trilha que abriu ao longo de mais de três décadas, “É igual às formigas: conforme repetem o percurso, o caminho se forma”, conta. Há 34 anos, Severino Gomes da Silva escolheu a floresta da Urca pra chamar de lar e, com a permissão do Exército – “o único cidadão com permissão pra morar aqui” –, construiu sua casa em torno de uma gruta e uma figueira. Tornou-se “o guardião da fauna e da flora”, conhecido por todos os militares e frequentadores da Praia Vermelha. Por isso, não é difícil encontrá-lo, apesar de o seu relógio ser diferente e os compromissos serem marcados pela posição do sol e das estrelas.

Olivia Nachile

Em frente à figueira da floresta da Urca

Em frente à figueira da floresta da Urca

Desde menino, em Camocim de São Felix, interior de Pernambuco, Gomes, como é conhecido, saía pra roça de manhã e só voltava quando o sol se punha. “Me dê sua bênção, pai, que eu vou pro Rio de Janeiro”, disse, aos 25 anos. Foi. Com o curso de aprendiz de marinheiro em Recife, deu duro na chegada ao Rio: trabalhou como peão de obra, vendedor, na instalação de cabos telefônicos, na construção da usina nuclear de Angra, como guardião de piscina de hotel, porteiro e salva-vidas. Mas não pensou duas vezes quando surgiu a oportunidade de se mudar pro meio do mato, para onde foi em 21 de abril de 1979. Passava as noites pescando, “era robalo, anchova, garoupa, dourado”, vendia os peixes pros militares, comprava cigarro e birita e vivia em ritmo próprio.

Expulso de casa

“Eita, mas mudou muita coisa por aqui! Olha a abacateira como tá sem vida”, ele solta, enquanto seguimos até a gruta onde morava. É que há dois anos Gomes foi expulso de lá pela guarda municipal. “Me disseram que houve denúncia de que havia muito lixo. Eu tinha madeira pro fogo, pão velho pra espantar mosquito e isopor pra combustão”, lembra. “Pra eles podia parecer lixo, mas, pra mim, era útil”. Nem com o apoio do Exército o deixaram voltar. Ele não nega a mágoa de quem, após 32 anos cuidando do local, se vê posto para fora: “Já salvei muita vida nesses buracos, ajudei nego com fratura exposta, e me chutam assim”. Hoje, Gomes continua na região, numa barraca próxima ao mar. Desempregado, o pescador reclama que as águas da Praia Vermelha já não estão pra peixe. “Dou sorte de comer e usar o banheiro do quartel, mas preciso de dinheiro, afinal, moro na zona sul do Rio de Janeiro!”

Mas engana-se quem acha que esse homem das cavernas contemporâneo era solitário. Apesar de se sentir bem só com a companhia dos animais, ele se diz “muito popular”. Sua gruta estava sempre pronta pra receber visita, já que ele era muito procurado pra dar conselhos, falar sobre plantas medicinais e bater papo. Ele sabe que seu antigo lar é especial e gosta de compartilhá-lo. “Quando você volta?”, me pergunta.

Helena Serena

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Helena Serena não faz jus ao nome. Impetuosa, explosiva e inconstante, a nativa de Ilhabela mal chegou aos 18 anos e já se mostra pronta para o mundo

Com 18 anos recém-completados, nunca precisou da maioridade para saber o que fazer com sua vida, tampouco faz jus ao segundo nome. Foi a primeira da turma a fazer tatuagem, a fumar, a colocar piercing e a transar com um namorado – só não era a primeira da classe porque isso não interessa a quem tem espírito rebelde. Agora pode dizer também que é a primeira a posar nua. Não que tudo isso seja uma grande questão para Lê, como ela é conhecida por todo mundo em Ilhabela. “O físico para mim não é uma coisa íntima, é natural. Sempre gostei de ficar pelada em casa, moro na praia, nunca tive essa coisa de vergonha.”

Ela não é dessas mulheres de beleza exuberante ou exótica. A pele é levemente morena, os olhos são cor de mel, e a boca carnuda talvez seja o que mais salte aos olhos – há um certo sorriso permanente em sua boca, levemente malicioso (a malícia, muito provavelmente, está nos olhos de quem vê). Mas sua presença é magnética. Talvez seja a forma como ela encara alguém enquanto presta atenção no que está sendo dito, com a curiosidade de quem quer descobrir o mundo e tem uma porção de sonhos.

Um deles é cantar. Em seu perfil no Facebook há um vídeo de Helena interpretando, no Mirante do Portinho, em Ilhabela, voz e violão, uma composição própria. “Tô vivendo esse sonho, não te peço para participar” é um dos versos, entoados com uma voz suavemente rouca. “Componho para tocar as pessoas com meus pensamentos e minhas histórias. Sou muito antenada em música, amo jazz”, conta ela, que também é fã de Amy Winehouse. Mesmo quando era menor de idade, o que não faz muito tempo, Lê já integrava o circuito de bares de Ilhabela dando canjas, já que não podia trabalhar na noite. Agora até montou uma banda, chamada Carpet, e ganhou um festival local. O prêmio? Gravar a canção vencedora, sua primeira vez em um estúdio.

 

"Acho que tem que perder a vergonha, tem que se mostrar, subir no palco e cantar. É bem melhor fazer isso que passar a vida inteira frustrada por nunca ter feito o que tive vontade."

 

Ao mesmo tempo em que Helena se torna cada vez mais uma mulher fei­ta, que quer mudar para São Paulo em 2014 para focar a veia artística, nela ainda habita a moleca que joga futebol duas vezes por semana, que anda de skate e ama cachoeiras. Apesar da fidelidade das amigas, Lê passa a maior parte do tempo com os amigos homens – é assim desde sempre. Se ela começou a se sentir desejada por eles quando a adolescência modelou seu corpo? “Sempre teve muito respeito, os olhares não ficaram diferentes, não”, diz, antes de afirmar que também nunca foi muito paparicada em Ilhabela. “Há muitas meninas lindas por lá.”

O ensaio de Helena Serena foi muito natural: aconteceu na casa dela, retratando sua rotina. Começou na cama, como se estivesse despertando – e preguiçosamente se revelando –, e chegou até o telhado. Foi nessa hora que seu vizinho adolescente viu, toda nua, a gata em teto de zinco quente. Na hora, apesar de ter dito que fica assim em casa naturalmente, Lê ficou puta da vida e começou a gritar com o rapazote – como se ele tivesse alguma culpa em ver a vizinha linda, pelada, ali, alçada aos céus. Depois, mais calma e vestida, ela foi pedir desculpas a ele.

“A ilha é muito pequena, rola muita fofoca. Essa revista, ó, vai repercutir!”, diverte-se. “Mas eu já não ligo mais. As pessoas que me conhecem sabem bem que eu gosto desse universo das artes, de tirar foto. Acho que tem que perder a vergonha, tem que se mostrar, subir no palco e cantar. É bem melhor fazer isso que passar a vida inteira frustrada por nunca ter feito o que tive vontade. Eu não vou me arrepender por não ter tentado.”

Bloco do eu sozinho

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Coordenadores de produção Adriana Verani e Alex Bezerra Make Lau Neves/ Capa MGT Produção de moda André Phergon e Andréia Omena

Nomes adequados e inadequados #227

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Us Army Africa/Divulgação

Nomes adequados:

01 Ronald Força - Função: Sargento da polícia militar do Rio de Janeiro

Comprovação: tinyurl.com/ky63arl

02 Camila Macca - Função: Médica

Comprovação: tinyurl.com/kazhajq

03 Julio Cesar Cu - Função: Mergulhador que faz a limpeza do esgoto na Cidade do México

Comprovação: tinyurl.com/kflvp62


Nomes inadequados:

01 Edson Burger - Função: Dá cursos sobre emagrecimento

Comprovação: tinyurl.com/p2zzro6

02 José Guerra- Função: Coordenador na Secretaria de Direitos Humanos do governo

Comprovação: tinyurl.com/lljprng

03 Carlos Eduardo Virtuoso - Função: Empresário acusado pelo Ministério Público de pagar propina a policiais

Comprovação: tinyurl.com/pojlw74

Topou com um nome tudo a ver com o trabalho de alguém? Ou com outro totalmente inapropriado para o que seu dono faz? Envie para os e-mails nomesinadequados@trip.com.br ou ­nomesadequados@trip.com.br. Os selecionados ganham uma assinatura anual da revista. Contemplados nesta edição: Leandro Cabeça, Fernando Diniz, Fábio César Delmório, Bruno Bissoli, Renato Moya e Vicente Neto


Classificados

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Harley Davidson Iron 883 - Preço: R$30.900 // Confederate X132 Hellcat - Preço: R$110.00 // Triumph 675R - Preço: R$34.900

Harley Davidson Iron 883 - Preço: R$30.900 // Confederate X132 Hellcat - Preço: R$110.00 // Triumph 675R - Preço: R$34.900

Modelo popular

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Guilherme Zauith

O Chevette Hatch 1982

O Chevette Hatch 1982

Com clubes formados por milhares de fãs espalhados pelo Brasil, o pequeno Chevette é uma prova de que a paixão por um carro pode aproximar as pessoas

Muito antes da popularização da internet e do surgimento das redes sociais, o gosto por um determinado modelo de automóvel já reunia grupos e formava comunidades de entusiastas ávidos por debater e trocar informações sobre um mesmo assunto. “Nosso clube nasceu em 1997, depois que eu e outro proprietário fomos barrados em um tradicional evento reservado para carros clássicos”, conta o publicitário Luís Antônio Mascellaro, fundador do Chevette Clube do Brasil. “No começo, o grupo cresceu de maneira lenta. Cruzávamos com outros donos de Chevette no trânsito ou no posto de combustível e, dessa forma, arrematávamos novos sócios. Hoje, com o Facebook, somos mais de 5 mil nomes cadastrados em todo o Brasil”, explica.

Lançado no Brasil em 1973 para combater o Fusca, o pequeno modelo da Chevrolet permaneceu longos 23 anos em produção, chegando à liderança do mercado em 1983. Além de passar por duas grandes evoluções de estilo, o Chevette gerou frutos como a perua Marajó e a picape Chevy 500, superando a marca de 1,6 milhão de unidades comercializadas no país.

Sozinho Jamais

Mesmo sem fazer parte de nenhum clube, o publicitário e colecionador Rubem Duailibi afirma jamais se

Guilherme Zauith

Detalhe do painel do automóvel

Detalhe do painel do automóvel

sentir sozinho quando sai ao volante de seu impecável Chevette Hatch 1982. Relíquia de família, o exemplar, cuidado com zelo desde que era um zero-quilômetro, invariavelmente atrai curiosos e desperta nostalgia por onde passa. “Sempre tem alguém pedindo para tirar foto ou para contar que possuía um modelo igualzinho no passado”, conta o colecionador.

Houve até uma noiva que teve um Chevette como primeiro carro e alugou o exemplar de Rubem para chegar à igreja, embora tenha saído do casamento a bordo de um Rolls-Royce, narra o dono, surpreso com o status de raridade que o popular Chevrolet vem adquirindo – mas já completamente acostumado à capacidade que o automóvel tem de criar conexões e fazer nascer amizades.


Quer que desenhe?

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No dia seguinte ao encontro com Stephen Ritz, Paula e Edgard juntaram-se ao designer Zanini de Zanine para um papo na galeria Espasso sobre como o design pode ser instrumento de transformação social

No dia seguinte a nossa ida a South Bronx, Paula e Edgard foram à galeria Espasso, fundada há 11 anos em Nova York pelo brasileiro Carlos Junqueira, para participar de um bate-papo com Paulo Lima, publisher da Trip, e com o designer Zanini de Zanine sobre o design e o urbanismo usados como instrumentos de transformação social – ainda parte do ciclo de encontros promovidos pelo Prêmio Trip Transformadores durante o ano.

Zanini, 35 anos, inaugurava naquela noite uma exposição na Espasso, mostrando sua obra ao lado da do pai (o arquiteto Zanine Caldas, morto em 2001 aos 82 anos) e de algumas peças de Sergio Rodrigues, com quem trabalhou. Ele cresceu atento ao que esses mestres diziam sobre sustentabilidade e engajamento social. Herdou a preocupação em trabalhar com madeiras remanejadas, de demolição ou alternativas, e diz buscar em seus clientes o mesmo tipo de alinhamento. Um dos trabalhos que faz com madeira maciça acontece dentro de uma comunidade no Rio de Janeiro, que ganha com a produção.

O evento acontecia em Tribeca, uma das regiões mais badaladas e ricas de Manhattan. E, embora estivéssemos já bastante longe da aridez de South Bronx, sendo agora servidos de água com gás, prosecco e canapés de camarão e pão de queijo por garçons sofisticados, bem-vestidos e simpáticos, que se esforçavam para falar português dentro de um dos espaços mais elegantes da cidade, o espírito transgressor era rigorosamente o mesmo que experimentamos no dia anterior – e do qual ainda nos alimentávamos: o desejo de criar uma ética nova, que valha até, e especialmente, para a arte.

“Acho que todo artista se pergunta cedo ou tarde: como minha profissão pode contribuir para o mundo?”, disse Paula, 36 anos, antes de contar que recentemente trabalhou na região do Cariri, no Ceará, e encontrou uma comunidade de mestres sapateiros de enorme talento, mas sem os meios para criar suas peças. “Trabalhos como os que a gente faz”, disse Edgard, “eliminam a figura do herói, do líder, e todos passam a ser iguais”, disse, mostrando mais uma forma de como o design, seja de peças ou de jogos comunitários, pode ser usado como instrumento de transformação social. “Minha timidez se transforma em observação, que é um elemento fundamental para que eu crie”, falou Zanini. “Muitas vezes eu me perguntei: por que produzir coisas num mundo já tão cheio de coisas?”, emendou Paula. “E a resposta só faz sentido, para mim, se aquilo que crio servir como agente de algum tipo de transformação social.”

Paula, Edgard e Zanini, três jovens que, movidos por uma abençoada mistura de indignação, desejo de justiça e talento, vão, de peça em peça, de conexão em conexão, transformando a dura realidade ao nosso redor.


O melhor ritz de Nova York

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O Prêmio Trip Transformadores convidou a designer Paula Dib e o arquiteto Edgard Gouveia Jr., dois dos homenageados da edição deste ano, para conhecer Stephen Ritz, professor de Nova York que ensinou alunos de uma das áreas mais pobres do país a plantar e mudou suas vidas

Duvido que exista brasileiro que, de férias por Nova York, programe-se para conhecer o sul do Bronx, ou South Bronx, um dos bairros mais pobres do país. Eu também não teria ido à região não fosse a insistência de dois paulistanos inquietos: a designer Paula Dib e o arquiteto Edgard Gouveia Jr. E, claro, não fosse também uma certa interferência da Trip.

Paula cria produtos a partir de matéria-prima abundante em determinada região, inspirada por uma necessidade específica daquela comunidade – que, ao se associar à jovem, acaba ganhando autoestima, moral e também dinheiro. Edgard desenha jogos cooperativos com o objetivo de integrar pessoas menos privilegadas. Dois dos homenageados do Prêmio Trip Transformadores 2013, eles estavam em Nova York para o ciclo de eventos promovido pela Trip em setembro e aceitaram o desafio de se conectar com outros transformadores como eles. Foi por isso que, numa manhã ensolarada de outono, Paula, Edgard e eu enfrentamos a linha seis do metrô nova-iorquino para chegar a South Bronx. O destino final estava 24 paradas depois, na estação Hunts Point, onde fica a escola pública na qual dá aulas o professor Stephen Ritz. Ele nos esperava na porta. Não precisamos de mais do que 2 minutos para entender que Ritz é movido pela energia de Angra I, II e III. De camisa quadriculada e gravata-borboleta feita de legos (!) nos saudou como se fôssemos amigos que voltavam da guerra.

Stephen é um homem de 50 anos que conheceu o lado Gotham City de South Bronx quando jovem, conseguiu escapar, casou, perdeu filhos gêmeos ainda pequenos e decidiu honrar a memória deles ajudando crianças menos privilegiadas a encontrar um caminho. Tudo mudou no dia em que ele, professor do curso primário de uma escola pública, levou a classe para um passeio de metrô. “Um dos alunos apontou para o trilho e disse: ‘Professor, o que é aquilo ali?’ Tive medo de olhar porque a chance de ser uma coisa que ninguém gostaria de ver era enorme, mas o que vi foi uma flor que, teimosamente, nascia.” A imagem o deixou perplexo. “Pensei: se uma semente é capaz de brotar aqui, então ela pode brotar em qualquer lugar.”

Couve-dealers

O professor foi estudar. Com engenheiros e biólogos desenvolveu técnicas para plantar em sala de aula. “Meus alunos eram crianças obesas, que não sabiam que nuggets vinham do frango, nunca tinham comido alface na vida.” Stephen não previa que uma revolução estava em curso. “Eu escutava por aí que comunidades marginais gostam de comida ruim e barata. Não é verdade. Eles querem comida saudável, mas não sabem onde encontrá-la.”

Desde que Stephen começou a plantar com os alunos, em 2008, tudo neles mudou. “É incrível a curiosidade com o processo de ver a semente virar planta e, depois, poder comer. Eles hoje comem o que plantam. Levam para casa, plantam, educam os pais e os avós.” A produção cresceu tanto que alguns alunos conseguem vender o que plantam, além de fornecer a orfanatos, asilos e para a própria cafeteria da escola. “Tenho alunos que vendiam crack e hoje vendem couve. Ganham mais como couve-dealers do que como crack-dealers”, diz rindo. Se antes de sua onda verde, que leva o nome oficial de Green Bronx Machine, ele tinha 40% de presença em aula, hoje tem 93%. “Cem porcento dos meus alunos se formam”, diz.

Conectar pessoas numa rede de afeto e ações é o que faz o Trip Transformadores. Naquela tarde, saímos do Bronx com a promessa de que projetos casados nasceriam dali. E a impressão de que Paula, Edgard e Stephen estão para sempre conectados um ao outro.

O Prêmio Trip Transformadores é apoiado por marcas com princípios alinhados à iniciativa e a seus HOMENAGEADOS. Este ano o prêmio é patrocinado pelo Grupo Boticário, nosso parceiro desde 2008, e pelo Itaú, conosco desde 2011. Apoiado por Audi, Ades, Academia de Filmes, Suzano Papel e Celulose, Almapp/BBDO, H2OH!, Gol Linhas Aéreas Inteligentes e pela Rádio Eldorado FM 107,3.

Paulo Miklos

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Luiz Maximiliano

 

Paulo Miklos viu metade da sua banda seguir outros caminhos e, há apenas três meses, perdeu a mulher com quem foi casado por 30 anos. Mais que nunca, a solidão espreita. Mas um titã é um titã: agarrado em seu novo programa de TV e no próximo disco, ele segue em frente

Talvez seja uma questão de hábito. Treinado por mais de três décadas a pensar e falar sobre todas as coisas pelo ponto de vista coletivo dos Titãs, Paulo Miklos responde sempre com um “nós” no sujeito da frase – mesmo quando as perguntas são sobre ele sozinho. Foi assim que ele fez durante quase metade da conversa que você lê a seguir. “É, né? Eu não tinha percebido que fazia isso.”

Não é que sua vida, inclusive a profissional, seja feita de poucas individualidades. Muito pelo contrário. À parte dos Titãs, o músico desenvolveu e desenvolve várias outras facetas que não a do vocalista, tecladista, por vezes saxofonista e atualmente também guitarrista dos Titãs.

A mais recente de todas elas pode ser vista desde maio no programa Paulo Miklos show, na Mix TV. Ele é o âncora do talk show semanal (vai ao ar às terças-feiras, às 22h30), que concilia números musicais (alheios) com entrevistas. Inspirado nos apresentadores ingleses (mas também tendo na memória os brasileiríssimos Silvio Santos e Flávio Cavalcanti), faz questão de estar sempre de terno, para que fique claro para o público quem é o entrevistador e quem é o entrevistado.

Sua carreira de ator segue firme. A estreia, que o relevou como um grande performer dramático (e cômico), aconteceu em 2001, quando estrelou o longa O invasor, do cineasta Beto Brant. Miklos viveu justamente o personagem do título. Para desenvolver os trejeitos necessários para o papel, teve aulas particulares com o rapper Sabotage (1973-2003), com quem também contracenou no filme.

Outros bons trabalhos vieram a seguir, em papéis um pouco menores, mas nem por isso mais apáticos. Fez bons pequenos trabalhos em Boleiros 2 (2006), de Ugo Giorgetti, depois em Estômago (2007), de Marcos Jorge.

Mas foi É proibido fumar (2007), dirigido pela paulista Ana Muylaert, que deu a Miklos o seu primeiro protagonista de fato, Max – par romântico da personagem vivida por Glória Pires. Ali, ele deu vida a um personagem um tanto mais próximo de sua realidade: um cantor de boteco. O próprio Miklos, na era pré-Titãs, chegou a tocar em bares para defender o dinheiro do mês.

A partir da carreira bem-sucedida no cinema, Miklos pegou gosto pela nova profissão. E logo começou a atuar também na televisão. Fez de tudo. Tanto pequeníssimas participações em séries, como Os normais (2002) e Sessão de terapia (2013), até papéis fixos em novelas, como Bang bang (2006).

Também sozinho, Miklos produziu dois álbuns. “Minha extensa obra solo”, ele brinca, com os CDs nas mãos. O primeiro é de 1994 e tem apenas seu nome como título. Todas as letras e músicas foram compostas por ele, que também assina a produção. O segundo veio em 2001: Vou ser feliz e já volto. Na capa, o músico aparece com os cabelos amarelos em uma sessão de fotos feita em Nova York, onde havia passado uma temporada que descreve como “muito louca”, regada a excessos de álcool e drogas.

Hoje, ele diz, a loucura está completamente controlada. Mas foram necessários anos de terapia, remédios e muitos afetos para sobreviver àquele período. Miklos vive na cidade em que nasceu, São Paulo. Atualmente, divide uma casa no bairro do Sumaré com a única filha, Manoela, e o cão, Nestor, um parrudo bernese.

Em julho, ficou viúvo. Rachel Salem, com quem estava casado desde 1982, mãe de Manoela, perdeu a batalha contra um câncer de pulmão. Pouco mais de um ano antes, a mãe de Miklos havia morrido da mesma doença. A tristeza fez com que ele se recolhesse em casa. Não havia dado nenhuma entrevista sobre o assunto – até esta aqui. Só saiu do casulo para trabalhar. O trabalho – sozinho e com os Titãs, que agora são quatro – é que segura um pouco da barra, a mais pesada por que passou em seus 54 anos de vida.

Ele afirma que, agora, a banda está de volta a um equilíbrio. O lançamento mais recente foi um pacote de CD e DVD com o registro da turnê de 30 anos do álbum Cabeça dinossauro, o maior clássico titânico. Atualmente, eles correm com um show de canções inéditas. Testam ao vivo o repertório que vai dar origem ao próximo disco de estúdio, com previsão de chegar às lojas no primeiro semestre do ano que vem.

Os Titãs são seu assunto preferido. Pelo menos é isso que dizem suas feições quando ele volta e volta e volta a falar sobre a banda. Com os outros companheiros, Paulo Miklos pode voltar ao conforto de ser “nós”. Embora tenha tanta estrada corrida por conta própria, parece ficar bem mais confortável quando tem os amigos para dividir as coisas.


“Agradeço a todos os amigos queridos e a todos os fãs pelo carinho. O momento agora é de recolhimento e comunhão em família. No coração sinto a dor da ausência da minha Rachel. Sei que nunca mais vou preencher este vazio, mas na alma descubro a plenitude de ter vivido um amor completo e eterno. Meu amor de toda a vida, Rachel Salem”, escreveu Paulo em sua página no Facebook


Você, claro, está num momento delicado. Mas me parece estar bem, com os dois pés bem fincados no chão. O processo foi muito duro. Eu não tive nem o tempo do luto da minha mãe [morta há um ano e meio]. Essa coisa de você tratar publicamente uma coisa pessoal sua tem dois lados. Essa intimidade que a gente pode ter com o público, de falar sobre nossa experiência pessoal, pode servir de exemplo. Por mais que eu tenha ficado receoso de falar desses assuntos imediatamente, ao mesmo tempo abracei a atividade freneticamente. Não dá para ficar jogado no canto e deixar a coisa te tomar. Nos últimos três meses fui ao Rock in Rio, participei de um projeto que corre o Brasil cantando Beatles, cantei com o João Donato músicas do Vinicius, tô fechando uma participação em um filme, fazendo um curta no fim de semana... Tô em movimento, entendeu? E as coisas estão bacanas: o programa de TV, a banda vivendo um momento especial, quase de renascimento. Estamos com material novo, prontos pra arriscar e fazer um show inédito. Essas coisas estão me dando força e segurando a onda. Na verdade, o que sempre foi o alicerce foi o trabalho, a paixão por ele. Às vezes, nem os que estão mais próximos de mim sabem o que eu tô passando. Daí tem um lado de atuar, de estar na atividade correspondendo. É isso o que eu tomo pra mim pra poder estar bacana, pra poder receber alguém. Entrevistar, ser entrevistado. Entrar no palco, dar uma coisa além do que você costuma dar. O show dá pra isso. A música que a gente faz é impactante, descarregada. Então eu faço terapia duas, três vezes por semana pelo Brasil, no palco. Tem uma rede de afeto e de carinho na qual estão as pessoas com quem eu trabalho – não só os Titãs, amigos da vida toda, mas também o pessoal da TV, gente muito bacana.

Quando e como vocês descobriram o câncer da Rachel? Descobrimos no final do ano passado, a gente estava em férias. O câncer ficava num lugar difícil, mais alto, então a gente tirou um pulmão. Mas depois pegou o outro. Ela teve uma infecção, e foi muito rápido. Uma coisa muito chocante. Você quer se matar? Às vezes, sim. Às vezes você pega o avião, vem uma turbulência e você pensa: “Se cair, tudo bem”. Você sabe que você está instável de uma maneira bastante estranha em relação ao que é o significado da vida. As coisas entram em solvência, é uma dor fodida.

Mudemos para outro assunto, mais ameno: música. Quando começou sua relação com ela? Criança, meus pais me deram um piano e depois minha avó me deu uma flauta doce. Ficou mais séria quando eu tinha 17 anos, mais ou menos. Participei de um festival da TV Tupi em 1979 que tinha o Arrigo Barnabé, o Walter Franco cantando “Canalha”. Entrei como arranjador da banda com a camiseta de jogar bola na escola, magrelo e com um saxofone emprestado, achando que tava abafando. Quando apareci no ensaio, a orquestra da TV Tupi, que só tinha fera, olhou pra mim sem entender nada. Eu escrevi tudo direitinho, apesar de não saber direito o que estava fazendo.

Então você estudou música mesmo? Estudei. Sempre fui muito interessado em música. Por fim acabei entrando na ECA [Escola de Comunicação e Artes da USP]. Cheguei das férias no Nordeste super-relaxado, de cabelão, bronzeado e fui fazer a prova. Toquei “Syrinx”, uma peça de flauta solo de Debussy. No meio a banca interrompeu, o que é normal, e soltou: “Tá bom, obrigado. Você parece um fauno mesmo” [risos].

Gostava da faculdade? Era só gente de conservatório, orientais que estudam violino desde os 6 anos de idade. Rapidamente percebi que...

Não era seu lugar? Isso. Aí eu ia na fitoteca e fazia um download geral.

Uma pirataria analógica. Pois é. Na época era fita e eu pegava tudo. Conheci a música contemporânea e pirei. Música concreta do Luciano Berio, só caras legais, coisas geniais. Passei lá um ano copiando as coisas e depois não voltei.


“Eu faço terapia duas, três vezes por semana pelo Brasil, no palco”


Mas os Titãs começaram antes disso, certo? A gente foi se encontrando na escola, se agregando. A gente viu os Novos Baianos tocar no pátio! O Alceu Valença e o Gil também! Depois, quando soubemos da existência da Blitz, pensamos: “Por que a gente não monta uma banda dessa?”. Inicialmente a gente fez uma fitinha, que era a fita das musas. Na verdade, era só para cantar as meninas.

Cantadinhas gravadasCantadinhas gravadas e reunidas numa fitinha que a gente promoveu e fez meio independente, colando uma a uma com um caderninho. Isso foi o começo dos Titãs. Eram todos os amigos juntos num primeiro momento, um coletivo gigante. Era um bonde, na verdade [risos]. Tinha, por exemplo, o Nuno Ramos, que depois foi ser artista plástico.

Ele também era do colégio Equipe? O que tinha na água dessa escola para reunir tantos talentos? É difícil explicar. Eu fui pro Equipe porque ouvi dizer que lá tinha um festival de música. Nem imaginava que depois ia ter o privilégio de presenciar o que presenciei naquele pátio, graças ao Serginho Groisman [outro aluno do Equipe] e à programação constante que ele trouxe.

Todos os Titãs eram do Equipe? A maioria. O Tony Belloto não, mas ele era amigo do Marcelo [Fromer] e do Branco [Mello]. O Branco tava numa classe antes de mim e o Arnaldo [Antunes] e o [Sérgio] Britto, um ano na frente.

E como funcionava a dinâmica dentro desse bonde musical? A gente já tinha claro que o barato era a coisa criativa, aquilo que a gente podia criar juntos, e defender essa criação sem preconceitos. A gente tinha toda essa carga de informação, adorava o Arrigo [Barnabé], o Itamar [Assumpção], essa vanguarda paulista. Eu queria fazer umas frases dodecafônicas! [Risos]. A gente tinha uma proximidade também com a poesia concreta do Augusto [de Campos], o Arnaldo [Antunes] é um cara que estudou as coisas. A gente tinha esse conhecimento profundo da música popular brasileira trombada com toda música internacional. A gente era new wave, mas curtia Alceu Valença. O Nasi, do alto do seu conhecimento de causa, dizia: “Eu sempre disse que a gente era do underground, do movimento do rock’n’roll, do Madame Satã. Vocês eram o último grito do tropicalismo”.

Luiz Maximiliano

 

Engraçado issoÉ! Eu achava que era da turma, mas talvez não tanto [risos]. A gente sempre gostou do The Clash, por exemplo, que é uma banda que introduziu a música caribenha, o reggae, misturados com um punk rock mais encardido, mais sectário. O Cabeça dinossauro, por exemplo, tem reggae, funk, musica eletrônica, punk. Tem tudo, e foi feito em 86! Ele é uma mistura desse DNA louco. A gente era uma coisa caleidoscópica. “Sonífera ilha” parece um ska da fronteira do Paraguai [risos].

Num grupo tão numeroso você certamente teve que abrir mão de muita coisa. Como era isso? Não era problema. Desde o começo teve uma dinâmica de aproveitar o que era melhor, a melhor ideia. Sempre houve um consenso, um bom senso.

Quando o Arnaldo, o Nando e o Charles saíram, você pensou em sair também? Acho que foi uma questão que se colocou pra todos nesses momentos. Quando o Arnaldo quis sair, a primeira coisa que a gente pensou foi: “Pô, mas peraí, pode sair?” [risos]. Essa coisa meio sonho de criança, inocente, acabou. E aí? E aí a gente continuou porque a gente tinha um puta disco, o Titanomaquia, na mão. Foi a mesma coisa nos momentos mais trágicos, como quando perdemos o Marcelo [o guitarrista morreu atropelado por um motoqueiro em 2001]. A gente estava na véspera de viajar pra gravar o A melhor banda de todos os tempos da última semana, com todos os arranjos feitos junto com o Marcelo. De novo a gente se viu na mesma situação: “O que fazer agora? Vamos parar. Não, não vamos parar, vamos fazer esse disco que ele fez com a gente. Vamos registrar isso”. A gente entrou em estúdio e foi um momento de união, em que você está ali pelo outro. Foi isso que moveu a gente naquele momento. Hoje é o patrimônio que a gente tem.

O último trabalho dos Titãs revisita o Cabeça dinossauro, talvez o disco mais cultuado de vocês, lançado há quase 30 anos. O que mudou no Brasil nesse tempo? A gente está tocando músicas como “Desordem”, por exemplo, que é uma coisa que fala de distúrbio de rua e pergunta: “Quem quer manter a ordem?/ Quem quer criar desordem?”. Essas coisas estão muito dúbias atualmente. Os agentes parecem que trocam de lado. Quem está provocando, quem está policiando e censurando? A quem interessa botar um carimbo de “isso não pode, isso não é democrático”? O que é democrático? O povo na rua, a provocação, em que níveis são aceitáveis? Tem toda essa discussão, mas não tem banho de sangue nas ruas, como a gente vê na Primavera Árabe. Então considero que a gente melhorou muito.

Mas o que suscitou todo esse movimento na sua opinião? O gigante adormecido andou acordando por aí [risos]. Quantas coisas estavam na rua, quantas reivindicações, quanta coisa criativa estava acontecendo... Essa coisa dá pra ocupar as páginas dos jornais e dos telejornais. Eu acho que a gente melhorou muito porque estamos tocando nesses assuntos, experimentando os limites e questionando uma situação que é insuportável, mas que continua a mesma bandalheira de sempre.

Você falou das manifestações “violentas” e dos “baderneiros”. O que você pensa deles? Merecem estar entre aspas mesmo? Eu acho que são práticas que estão aí. Eu não vou incitar a violência [risos]. Acho que tem uma responsabilidade nisso, mas acho também que tem uma coisa da mídia de fazer esse papel da patrulha. Eu compreendo que de repente tem que fazer isso mesmo [quebrar tudo] pra chamar a atenção, porque a plaquinha que eu estou levando ninguém se interessa em fotografar. Mas, se eu jogar essa placa dentro da agência bancária, vão me fotografar imediatamente.

E o seu programa, o Paulo Miklos show? A ida para a TV tem a ver com uma sensação de que tudo que você tem a dizer não cabe mais só na música? O gostoso do programa é que ele tem esse espectro, vai do talk show à música. O que mais gosto é o contato com as pessoas, deixar fluir a conversa.

A ideia do programa foi sua? Não.

Convidaram você? Me convidaram pra fazer um programa que inicialmente se chamava Dose tripla. Éramos três – eu, Gustavo Braun e Marina Santa Helena – na bancada, e eu era uma espécie de mediador. Achei bárbaro porque foi uma plataforma de estudo de dinâmica e também foi o primeiro momento em que eu percebi o quanto aquilo poderia me trazer de informação nova. Foi como se fosse um aprendizado até chegar o momento de receber um convite pra fazer um programa só meu.


"Às vezes você pega o avião, vem uma turbulência e você pensa: se cair, tudo bem"


Tem muito a ver com a sua experiência de ator também, né? Tem, mas também tem a ver com a minha relação com a música mesmo. O que sempre me atraiu, desde essa época, é a interpretação, é estar cantando, é o palco, o encontro com o público. Isso sempre me fascinou. O Beto me convidou pra fazer O invasor depois de um show nosso. Eu achei que ele estava tomado por aquela coisa de camarim depois de show: “Não, Beto, agora você está um pouco alterado. O show é muito legal, eu sei, mas eu vou dar um tempo pra você pensar melhor”. Mas, no dia seguinte, ele ligou: “Eu tava falando sério mesmo. O teu personagem é o personagem título do filme”.

O rapper Sabotage ajudou nas filmagens. Como é que foi essa relação? Primeiro eu já vampirizei o cara, peguei o jeito dele. Pensei: “Ele é uma inspiração bacana pro personagem que eu vou criar”. Agora, foi no texto que ele trouxe a contribuição mais fantástica. Ele tinha aquela coisa típica dos poetas, uma coleção de gírias que ele ouviu e registrou do pessoal falando nas ruas, quase um código cifrado. Eu entrava em cena e o Alexandre Borges e o Marco Ricca ficavam de boca aberta, porque não era nenhuma deixa que estava no texto.

Tem novos papéis à vista? Vou participar de um curta no fim de semana. E tem o filme do Jeferson De, um cineasta paulista, chamado Celulares. A gente vai filmar agora no começo do ano.

Não sei se já disse isso, mas você tende a responder as perguntas usando “a gente” em vez de “eu”. Culpa dos 30 anos de banda? Ah, sim. Mas ainda não estou falando eu e Paulo Miklos, tipo o Edson e o Pelé [risos].

Mas você acha que por conta da sua trajetória de vida acabou tendo uma visão mais plural do mundo? Eu não tenho grande barato no exercício artístico solitário. Acredito muito na coisa colaborativa. Na minha formação eu acredito nessa coisa da banda, do grupo. Eu acho que é assim que funcionam as coisas. E pensando agora na MPB, nos grandes nomes, nas grandes divas… Eu não sou dessa cultura. Não me bate. Quanto mais eu vou para uma coisa pessoal, autorreferente, autobiográfica, parece que cada vez mais vai perdendo o sentido pra mim.

Engraçado. Nesse sentido, você é o anti-Nando Reis, que é o cara mais autobiográfico dos Titãs. Exato. Ele e todos os meus ídolos. O Caetano... São todas músicas que canto no chuveiro depois. Acho fantástico. Mas meu primeiro movimento é o contrário disso. Sinto que a coisa vai se perdendo se eu mergulhar demais nessa autorreferência.

É comum dizerem que, com o passar dos anos, a pessoa amadurece, se individualiza. Por isso que banda de rock é coisa de moleque [risos]. Acho que isso acontece. Quando a gente estourou eu era ofrontman. “Como a gente vai fazer para mostrar pras pessoas que a gente é uma banda tão complexa?” Essa sempre foi a questão, porque tem quatro, cinco cantores. Cada um tem sua personalidade. A luta foi para as pessoas perceberem as individualidades. Não só o jeitão de cada um, mas o traço, a personalidade, o que cada um compôs, qual foi a contribuição de cada um.

Seu segundo disco tem um título engraçado: Vou ser feliz e já volto. Tem uma história, que você deve ter ouvido mil vezes, de que “pô, o Titãs deve estar chato porque o Paulo foi ser feliz solo e já volta”. Mas não era só o Titãs, não. Era a vida mesmo.


"O Nasi dizia: A gente era do underground do rock'n'roll, vocês eram o último grito do tropicalismo"


A vida? Conta aí. É um disco escapista. É justamente a brincadeira da tabuleta “Volto já”. Era um pouco isso, de estar muito imerso na coisa do tédio, do cotidiano, da mesmice. Eu talvez estivesse no auge do momento de estar escapando de tudo e usando todos os artifícios possíveis para estar vivendo uma realidade paralela, explorando as portas da percepção escancaradas.

É, você estava loirão, loucão. Fiz tudo isso. Cheguei em NY para masterizar o disco com o Dudu Marote, meu produtor. Comprei uma camisa e resolvi entrar num cabeleireiro no Soho. Aí estava a Björk do meu lado. Sentei, olhei e pensei: “Estou no lugar certo!”. Sei que a mulher fez uma coisa e eu fiquei com cabelo cenoura. Fui pro hotel, olhei e falei: “Acho que não deu certo”. Não era isso que eu queria. Queria ficar como o Billy Idol, aquela coisa platinada.

Você falou de “explorar as portas da percepção”. Imagino que esteja se referindo a drogas, mas eu achava que o Paulo Miklos doidão foi o dos anos 80... Eu costumava brincar com isso. A mais longa adolescência de que se tem notícia é a minha [risos].

Isso foi por volta de 2001. Foi por alguma coisa que bateu essa adolescência tardia? Acho que foi o abuso de substâncias. Acho que tem um momento que ou você sai ou não sai. Ou recai. Ou fica tentando sair, patinando. Eu saí, mas demorou.

Essa época foi o auge da adolescência, por assim dizer? Talvez não tenha sido o auge, mas era um momento em que isso ainda estava ecoando. Inclusive porque esse disco foi feito logo antes da minha participação em O invasor, minha primeira participação no cinema. Foi uma coisa que mexeu muito comigo. Você tem que estar muito atento. É o avesso da experiência de estar vivendo a música. Na música, quanto mais doidão melhor!

Você já sabe como funciona, né? As pes­soas esperam isso! Também tem uma expectativa em relação a você ser aquele clichê ambulante do roqueiro doidão. Na verdade, a experiência com drogas, de excesso, está no sofrimento. Na depressão. Muito mais nisso do que em qualquer coisa.

Mas no começo elas deram uma iluminação? Sim. É uma prática social também, assim como o álcool. O álcool foi a primeira coisa que eu tive de me livrar para poder voltar e ter controle da minha vida. Ele é o grande vilão para uma pessoa como eu, que se percebe com um problema de abuso e limite. Hoje eu não bebo. Antes eu brincava: “Só bebo a trabalho”. E era todo santo dia.

Você chegou a ter depressão mesmo, ir ao psiquiatra? Lógico. Então eu parti pras drogas lícitas, terapêuticas, que também são drogas. Até que chegou o momento que eu afastei todas. Foi ótimo.

Sem remédio não dava? Com certeza não. Chegou uma hora em que eu tava tão determinado, tinha tanta consciência, que falei: “Vou lançar mão de todas as coisas que eu tiver a meu favor”. Depois, pra me livrar do cigarro, outro vilão, foi a mesma coisa. Perdi minha mãe e minha esposa com o cigarro... E eu não era pouco fumante. Fumava um maço e meio por dia!


"O álcool foi a primeira coisa que eu tive de me livrar para poder voltar e ter controle da minha vida"


Você resolveu parar de fumar por causa da sua mãe? Não, eu já queria parar havia algum tempo. Porque, pra cantor, tocando instrumentos de sopro e tal, é um atentado.

Você se voltou para alguma religião, alguma crença nesse momento? Não acredito muito nessas coisas. Tenho muita inveja, uma inveja boa, das pessoas que acreditam, que encontram força, calma pra alma, em uma explicação que elas realmente acreditam. Mas isso não faz parte de mim. Sou misto de um casamento de católica com judeu. Fui pro candomblé, tenho essa aproximação cultural com a religiosidade, com todas elas. Acho fantástico. 

Biografias. Autorizadas e não autorizadas. Qual sua posição nesse bafafá? Fiquei um pouco surpreso. Tá fora de foco a conversa. Porque, se a lei é frouxa, se você não tem instrumentos pra se defender no caso de você ser realmente atacado, a gente deve focar nisso. A quem interessaria esconder os fatos, eu me pergunto. Obviamente, interessa a quem quer esconder coisas. Acho que você pode se preservar de dizer coisas da sua vida. Mas acho exagerado defender a aprovação prévia, porque sem o meu aval você não vai poder dizer nada. Aliás, depois quero ver essa entrevista, hein?!

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